sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Seção resenha de livros: CAMPO DOS BUGRES

Olá.
Aqui é o Rafael novamente.
Hoje, em nova colaboração para o blog da Biblioteca Pública, trago ao público realmente interessado em cultura mais um livro de Fidélis Dalcin Barbosa, visando ao resgate da vida e da obra deste autor gaúcho que dedicou sua vida a, com sua arte, levar cultura e informação aos leitores de outrora – e os de hoje, se nada tiverem contra.
O livro escolhido de hoje reúne história, romance, epopeia de um povo determinado e, consequentemente, clichês sobre o tema tratado.
O livro de hoje se chama CAMPO DOS BUGRES. Já resenhados os livros da série “Prisioneiros”, hoje então variaremos um pouquinho.
CAMPO DOS BUGRES – A VIDA NOS PRIMÓRDIOS DA IMIGRAÇÃO ITALIANA foi lançado em maio de 1975, pelas editoras EST (Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, de Porto Alegre, RS) e Sulina (também de Porto Alegre). O romance faz parte de uma série, lançada pela EST, em comemoração ao centenário da imigração italiana no Rio Grande do Sul, comemorado naquele ano.
Em CAMPO DOS BUGRES, Frei Fidélis se dispõe a narrar, através da saga fictícia de um personagem, a formação da cidade de Caxias do Sul, RS, importante colônia italiana, e cujo desenvolvimento econômico e social se deve ao trabalho dos imigrantes.
Reconhecidamente, Caxias do Sul é um importante polo econômico da região da serra gaúcha. Onde, anualmente, se realiza a Festa da Uva. Terra também do cartunista Carlos Henrique Iotti, criador do personagem Radicci, um dos maiores contrapontos ao clichê do descendente de imigrante italiano trabalhador e obstinado. Enfim. Caxias do Sul, uma das maiores vitrines do desenvolvimento do Rio Grande do Sul – hoje, com algum declínio devido à decantada crise econômica nacional e mazelas inclusas.
Em seus primórdios, Caxias do Sul era chamada de Campo dos Bugres, visto que seus primeiros ocupantes eram os índios da etnia caigangue. Só na segunda metade do século XIX é que a região passou a ser extensivamente ocupada. Foi um dos pontos de ocupação dos imigrantes italianos no Rio Grande do Sul, fugidos da Itália recém-unificada, mas ainda fragilizada.
O povo italiano, principalmente os camponeses, perecia depois da longa série de conflitos entre os reinos da Península Itálica e o Império Austro-Húngaro, pela causa dos primeiros – a unificação dos reinos italianos em um só país. A política de distribuição de terras na Itália não favorecia aos camponeses mais pobres, e a grande maioria destes optou pela imigração subvencionada para a América, naquela época a cucagna, a terra das promissões, das oportunidades de fazer fortuna. Brasil, Argentina e Estados Unidos eram os principais destinos dos colonos, que vinham para o continente em navios no geral superlotados e em condições precárias de higiene, com o risco de acabar morrendo durante a viagem e ter seu corpo jogado ao mar – mas com a vantagem de a viagem ser custeada pelo governo desses países.
Uma vez alcançado o continente e o Rio Grande do Sul, os colonos italianos, em sua maioria, precisaram abrir caminho através do mato para poder chegar ao lote de terra financiado junto ao governo brasileiro. E, com um trabalho penoso e duro, mas compensador, muitos imigrantes conseguiram “fazer a América”, construir um conforto material para si e seus descendentes. E, de quebra, contribuir com o desenvolvimento da terra que os acolheu. Houve os que se arrependeram de ter vindo à América, e os que simplesmente não conseguiram prosperar, mas essas histórias são menos levadas em conta que as histórias dos que conseguiram vencer no nosso continente “de macacos, serpentes venenosas, índios antropófagos e tigres e leões assassinos”.
Buono. CAMPO DOS BUGRES inicia em 1885, dez anos depois do início da experiência migratória no RS. Começa na Itália. Começa quando Eduardo Segalla, o personagem principal, e que narra a história em primeira pessoa, retorna para sua região, o Sármede, depois de lutar na guerra da Unificação. Porém, ali não encontra seus pais e irmãos. É acolhido pelo avô, que lhe informa que a família, tendo dado Eduardo como morto na guerra, migra para a América. Após alguns dias na casa do avô, e tendo ouvido opiniões de pessoas próximas, Eduardo resolve migrar também para a América. Na Itália, naquele momento, ele não teria muito futuro – o sentimento da unificação ainda não se instalara nos corações de todos os italianos, os camponeses, por mais que trabalhassem, continuavam pobres, e havia uma ameaça de uma nova guerra.
Embora o avô quisesse que Eduardo ficasse na Itália, ele ajuda o rapaz com os preparativos da viagem, feita de navio, desde o porto de Gênova, nas já citadas condições precárias. Eduardo teve sorte de não ter sido um dos que perderam a bagagem durante a viagem. Com outros migrantes, Eduardo desembarca no Rio de Janeiro, depois pega outro navio em direção ao Rio Grande do Sul. Desembarca em Porto Alegre, depois vai até São Sebastião do Caí, região povoada por alemães. E, de lá, após receber possíveis informações do paradeiro dos pais, Eduardo segue para Campo dos Bugres.
A viagem até a atual Caxias do Sul é feita em uma tropa de mulas, guiadas pelo tropeiro Pedro. Junto a Eduardo, acompanha a tropa uma família, os Caon, casal e seis filhos. No meio da jornada, Pedro vai dando aos imigrantes informações sobre a nova terra – há, inclusive, uma citação a respeito de Luís Bugre e da tragédia da família Versteg, respectivamente vilão e personagens principais de Prisioneiros dos Bugres.
Com Pedro, Eduardo também aprende sobre o valor dos pinhões como fonte de sustento na longa jornada. E, mais tarde, do valor dos próprios pinheiros araucárias para as construções.
Chegando ao então povoado em formação, Eduardo, no início, resolve se separar dos Caon para continuar na busca pela família. Porém, alguns imprevistos – como a possibilidade de ter de voltar todo o caminho de novo para ir em outra direção – o fazem ficar em Campo dos Bugres, praticamente adotado pelo casal Antônio e Maria Caon, e seus seis filhos. Enquanto os homens – Eduardo, Antônio e os dois filhos mais velhos deste, Luís e José – se encaminham para o lote de terra que lhes coube e iniciam a construção de uma casa provisória, as mulheres e crianças têm de aguardar em um barracão, a morada provisória dos recém-chegados.
Eduardo, naturalmente, recebe seu próprio lote, mas precisa ajudar os Caon na construção de sua moradia. Derrubando mato, cortando madeira para erguer a casa, se alimentando de carne de caça, pinhão e polenta feita com farinha de milho comprada na colônia. Por vezes, precisam pedir emprestadas ferramentas e outros recursos junto a vizinhos. Só depois da casa pronta, e enfrentando alguns percalços – como o causado por conta de uma tempestade – é que os colonos já podem se dedicar a uma horta. A convivência, o trabalho conjunto e os sofrimentos compartilhados, ao som dos pássaros e da tradicional cantoria italiana, criam uma cumplicidade entre Eduardo e os Caon, que acabou resultando na união de famílias – um pouco mais tarde, Eduardo casa com Rosalina, a filha primogênita dos Caon.
O modo como se deu esse casamento é um capítulo a parte. Rosalina se apaixona por Eduardo, mas só consegue se declarar a ele em uma ocasião em que ele fica doente, de cama, e aos cuidados das mulheres dos Caon. A inesperada declaração de Rosalina para Eduardo também contribui para que o rapaz fique mais tempo em Campo dos Bugres – durante a crise da enfermidade, Eduardo se arrepende de ter aceitado a colônia e cogita sair dali e continuar procurando pela família. Porém, ambos adiam o casamento de imediato – primeiro, Eduardo precisa ajeitar sua colônia e fazer um “pé-de-meia” para manter a futura família; Rosalina, por sua vez, decide ela mesma fazer o enxoval com linho plantado na colônia. O namoro entre os dois foi bem pouco romântico, mas, após o casamento, em 1887, as coisas começaram a melhorar.
Os colonos inicialmente dedicam-se à agricultura – com plantações de milho, abóbora, uvas. Uma parte para sustento próprio, o excedente vendido. Só um pouco mais tarde os colonos já criam condições para criar animais – galinhas, porcos, vacas leiteiras, cavalos e mulas para transporte. A plantação de uvas possibilita a posterior fabricação de vinho, atividade a qual Eduardo também se sobressai. E os colonos nunca esquecem a tradicional religiosidade – ajudam a erguer capelas e igrejas. Há episódios de gente que blasfema, por causa da má sorte – ofendem os céus até mesmo por causa de uma carroça atolada.
Mas, antes de alcançar alguma prosperidade, Eduardo precisa se dedicar a outras atividades para juntar mais dinheiro. Uma delas foi buscar trabalho remunerado entre os fazendeiros de Vacaria e Lagoa Vermelha. Ele e os parceiros deixam suas propriedades aos cuidados de gente de confiança, e voltam a tempo para a safra das lavouras. Mas a experiência do trabalho no Planalto seria marcante para os colonos: além do compensador ordenado, eles aprendem mais sobre a cultura gaúcha, diversificada da cultura italiana.
Só pouco depois do casamento, Eduardo afinal recebe resposta do paradeiro dos pais e irmãos: eles estão morando na colônia de D. Isabel, atual Bento Gonçalves. Mas Eduardo demora mais um pouco para ir de encontro a eles. Antes, vai diversificar seus negócios. Aceitando o conselho de um vizinho, Eduardo monta, em sociedade com o sogro, uma tropa de mulas para vender seu vinho para outras localidades – aproveitando, inclusive, a multiplicação das estradas, que eliminam o sofrimento de ter de abrir caminho através do mato. Inclusive, fica íntimo de um rico fazendeiro vacariense, que se torna padrinho de um de seus filhos.
E seu negócio vai prosperando aos poucos: os anos passam, nascem os filhos, e Eduardo já está em condições de deixar sua plantação aos cuidados de gente de confiança e montar uma cantina, para comercializar seu vinho, dentro da vila de Caxias do Sul – dividindo o barracão com a fábrica de artigos de vime do sogro. Alfabetiza os familiares e matricula os filhos nos nascentes colégios de Caxias, dirigidos por ordens religiosas – se contrapondo a uma parcela dos colonos, que preferiam trabalhar na lavoura a estudar. Enquanto isso, assiste ao desenvolvimento de Caxias do Sul, de povoado a cidade. Assiste a era das carretas puxadas por animais, aproveitando as estradas, mas tais veículos eram constantemente sujeitos a atolamentos em dias de chuva – a pavimentação das estradas de terra batida só viria depois. Assiste depois a chegada dos caminhões, substituindo as carretas no transporte de mercadorias (e Eduardo e os Caon não apenas assistem, eles participam dessas eras dos transportes). Assiste a chegada da ferrovia – e leva um grande susto ao ver uma locomotiva de perto. Assiste a formação das primeiras indústrias de Caxias do Sul, coordenadas, claro, por italianos e descendentes.
Só mais tarde, aproveitando um momento de folga, Eduardo vai atrás dos pais, que vivem em condições mais ou menos precárias em Bento Gonçalves. O reencontro é emocionante, mas Eduardo tem algum trabalho para convencer os pais a irem com ele para Caxias. Um dos irmãos de Eduardo, inclusive, era barqueiro, fazendo transportes através dos rios, de balsa. Eduardo deixa a granja aos cuidados dos familiares, enquanto trabalha na cantina. E continua assistindo a evolução de Caxias do Sul, e os acontecimentos do Brasil e do Mundo: as revoltas de 1895 e 1923 no Rio Grande do Sul, a Primeira Guerra Mundial, a epidemia de Gripe Espanhola.
E a história de Eduardo se desenvolve assim, com os clichês que se observam em histórias da imigração italiana – tanto se escreveu a respeito da imigração italiana no Rio Grande do Sul, tanto se pesquisou, tanto se publicou, tanto se utilizou nas telenovelas, que hoje qualquer obra que traga a saga de um colono italiano, com tudo o que foi descrito acima, inevitavelmente soará clichê. Fidélis Barbosa praticamente não deixa escapar nada ao narrar a saga de um colono italiano. Não deixa escapar o tradicional didatismo de seus livros: a história, a geografia do Rio Grande do Sul, a descrição minuciosa do trabalho dos tropeiros, dos fazendeiros, dos comerciantes, dos barqueiros... Não esquece também de fazer referências a alguns crimes que chocaram a região de Caxias, à Festa da Uva, à fundação das primeiras igrejas da região, às mudanças na política local... E também não deixa de lado a religiosidade e o final feliz.
Tudo em 104 páginas, sem contar capa, em uma narrativa que, embora demande a devida atenção por parte do leitor para captar todos os detalhes (talvez até exigindo que o leitor leia todo o livro de novo), é fácil de entender, pois visa o público mais jovem. E ainda inclui ficha de leitura para uso em escolas, e dois dicionários: um onomástico (com as referências a nomes citados na história) e um toponímico (com as referências aos locais citados). Não há referência, entretanto, da autoria da ilustração da capa.
Cheios até a boca devemos estar com histórias de luta e sofrimento dos imigrantes italianos que “fizeram a América”, mas nunca é demais ouvir uma história a mais, ler uma história a mais. Afinal, estamos falando de gente que construiu uma vida confortável sem as facilidades tecnológicas de hoje em dia – e vale a pena aprender.
Então: deixem de desculpas e procurem na biblioteca mais próxima (inclusive, na Biblioteca Pública Theobaldo Paim Borges, onde há um exemplar): CAMPO DOS BUGRES. Enquanto não tem para e-book, temos de nos contentar com a versão em papel...

Esta resenha é uma versão revista e alterada do texto publicado originalmente no blog Estúdio Rafelipe (https://estudiorafelipe.blogspot.com.br/). Aproveitem para conhecer.
No momento em que escrevo, ainda está a se realizar a Feira do Livro de Vacaria. Aproveitem para visitar – até o dia 23 de outubro, na Praça Daltro Filho.
Em breve, nova resenha.

Até mais!

Alunos da rede municipal e estadual visitam a Biblioteca

Nesta sexta-feira, alunos das escolas municipais e estaduais visitaram a Biblioteca Pública Municipal Theobaldo Paim Borges e participaram da contação de histórias com Patrícia Helena Marques e Elisângela Bossle (SESI), assistiram filme e conheceram as instalações e serviços do local.
Elisângela e Patrícia (SESI) contam histórias


Patrícia registra a interação com os alunos




quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Visita de Celso Sisto a Biblioteca Pública Theobaldo Paim Borges

Nesta quinta-feira, dia 20 de outubro, o Patrono da Feira do Livro de Vacaria, Celso Sisto, visitou as instalações da Biblioteca Pública Municipal Theobaldo Paim Borges.

Crédito da Foto: Patrícia Helena Marques (SESI)
 

Legenda: Da esquerda para direita, Rosângela (Funcionária da BPMTheo), Elisabete da Costa (Estagiária), Ecléia Costa (Estagiária), Celso Sisto, Adriana (SMED-Vacaria), Elisângela Bossle (Contadora de História do SESI), Cristiane Ruy (Contadora de História) e Cirano Cisilotto (Bibliotecário da BPMTheo).

terça-feira, 18 de outubro de 2016

5 segredos para ler mais


5 SEGREDOS PARA LER MAIS 
Como ler livros difíceis? E sem achar chato? E como não trocar a leitura pelo facebook? Pra você que sempre quis ler mais e não consegue, revelei 5 táticas que eu sempre uso e que vão te ajudar ler mais e melhor!
Texto e edição: Isabella Lubrano

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Seção Resenha de Livros: PRISIONEIROS DO CAMPO

Olá.
Aqui é o Rafael novamente.
Hoje, em nova colaboração para o Blog da Biblioteca, voltamos a falar da obra do escritor gaúcho Fidélis Dalcin Barbosa. O livro de hoje foge um pouco do padrão observado em outras obras do autor, em algumas de suas características observadas até o momento.
O livro de hoje se chama PRISIONEIROS DO CAMPO.

PROBLEMAS NO EXEMPLAR DISPONÍVEL
PRISIONEIROS DO CAMPO, que posteriormente recebeu o subtítulo de A Epopeia dos Trigais de Passo Fundo, teve sua primeira edição lançada em 1965, pela editora São Miguel, de Caxias do Sul, RS. O exemplar disponível na biblioteca, já preciso avisar, está em estado de conservação regular, a julgar pela foto da capa mal restaurada (acima). Esta edição tem formato bolso e 186 páginas.
Há outra edição do livro, pela Editora EST (Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes), de Porto Alegre, RS, em formato brochura e 175 páginas (abaixo) – é a edição mais fácil de encontrar na internet.

O CICLO DOS PRISIONEIROS
Bem. De todo modo, PRISIONEIROS DO CAMPO, apesar de também levar o título de Prisioneiros, foge um pouco do padrão estabelecido pelos outros romances do autor com esse título. Já falei, aqui, de quatro deles: O Prisioneiro da Montanha (1961), Prisioneiros do Abismo (1962), Prisioneiros de Vila Velha (1964) e Prisioneiros dos Bugres (1966) – não nessa ordem.
Os romances da “série” Prisioneiros seguem como padrão: o uso de didatismo, com inserção de informações geográficas, históricas e científicas dos locais onde se passam as narrativas; esses locais são reais, geralmente marcados por belezas naturais, as quais o autor objetiva divulgar ao público; os personagens são fortemente religiosos e confiam na providência divina; eles, em algum momento, acabam em uma situação-limite, tendo de sobreviver a perigos com um mínimo de recursos e contando com a ajuda de acasos; e o enredo do romance em geral é otimista, logo o final em geral é feliz.
Bem: em O Prisioneiro da Montanha, o personagem principal, Pedro Uliana, passa pela situação-limite, tendo de sobreviver por quase sete anos preso na Serra dos Aparados, na fronteira do Rio Grande do Sul com Santa Catarina; em Prisioneiros de Vila Velha, a bela viúva Sílvia e seu filho Paulinho são recompensados depois de passar três dias de provações no Parque Estadual de Vila Velha, no Paraná; em Prisioneiros dos Bugres, os membros da família Versteg passam maus bocados nas mãos de uma tribo de índios caigangues e nômades, pelas regiões de São Leopoldo e Caxias do Sul – e, no fim, só um deles sobrevive (e essa história é real!); e, em Prisioneiros do Abismo, os amigos Danilo e Mário passam só alguns dias presos no fundo do Taimbezinho de Cambará do Sul, RS – o bastante para pensarem na vida vivida até ali e assumir um compromisso de mudança.
PRISIONEIROS DO CAMPO mantém várias características da “série”, menos uma. Tem didatismo? Sim. Os locais citados existem, e possuem belezas naturais? Sim. Os personagens são religiosos? Sim. O enredo é otimista e o final é feliz? Sim. Os personagens passam pela situação-limite? Não!
Aí é que reside a diferença: em PRISIONEIROS DO CAMPO, os personagens principais, Celso e Dione, não passam por uma situação-limite, fora do controle deles. Pelo contrário: eles se tornam “prisioneiros” por vontade própria.

UM NOVO MODELO DE ROMANCE E DE VIDA
A história se passa nas cidades de Lagoa Vermelha e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e passa ainda pelo Uruguai e pela Argentina. E, aqui, Fidélis se preocupa mais em ministrar uma lição aos leitores: que é possível obter bons resultados econômicos através da agropecuária, baseados em relações trabalhistas mais humanitárias e benéficas tanto para os empregados quanto para os patrões, baseadas em ensinamentos cristãos.
Bem, ao menos, na época de Fidélis Barbosa, tais coisas eram possíveis. Ao menos, no meio onde o autor viveu, as coisas “realmente funcionavam” na época do Regime Militar, conforme dizem os “reacionários” de hoje em dia (lembrem-se: a obra é de 1965, o Regime Militar recém havia começado, a “revolução” contra a “ameaça comunista” ainda era bem-vista pela maior parte da população e as medidas de exceção mais rígidas, como o AI-5, ainda não haviam sido decretadas – e, até onde sabemos, Fidélis Barbosa nunca se envolveu com as “esquerdas” combativas daquela época, sequer com as “direitas” radicais; como padre, ele deveria estar alinhado com os setores que não viam a disseminação dos ideais comunistas com bons olhos – em nenhum de seus livros analisados até o momento se observam referências ao Regime, só uma ou outra referência ao fato de o Brasil ter sido salvo da “ameaça comunista” pela citada “revolução” de 1964, de resto, a vida segue normalmente, sem ebulição política).
Bem. O enredo básico de PRISIONEIROS DO CAMPO é a vida e a luta de um casal, Celso e Dione, que decidem modernizar as estruturas do campo, através do exemplo de sua granja-modelo.
A história é dividida em duas partes. A primeira parte compreende desde quando Celso e Dione se conhecem até o final da viagem de ambos, após o casamento, ao Uruguai e à Argentina; e a segunda parte compreende desde quando iniciam a granja-modelo até a construção de um palacete como resultado do trabalho bem-sucedido.
A primeira parte começa em Lagoa Vermelha (cidade onde, aliás, e já devo ter dito aqui, morei dois anos), quando Celso e Dione ainda eram estudantes – ele, do Colégio Duque de Caxias; ela, da Escola Normal Rainha da Paz. E a forma como se conhecem é bastante pitoresca.
Começa quando o professor Odilon, no Duque de Caxias, pede aos alunos uma redação: que os alunos escrevam uma carta de amor. Um dos alunos alega não ter namorada, mas o professor pede para escrever como se tivesse. E justamente o aluno que não tinha namorada é quem escreve a melhor e mais poética redação: Celso Brescianini, então com dezessete anos. E o mais curioso: a garota para quem ele endereça a carta é nomeada Dione. Mais curioso ainda: o professor, que também leciona no Rainha da Paz, conhece uma aluna de lá que se chama, justamente, Dione, e cuja descrição corresponde quase perfeitamente à imagem feita por Celso na carta. Mas Celso alega não conhecer nenhuma Dione, que apenas idealizou a garota.
Ainda assim, o professor resolve dar uma de cupido: resolve mostrar, com autorização de Celso, a carta à aluna, Dione Teixeira da Luz, então com quinze anos. E ela acaba se emocionando. Responde à carta de Celso, e, com o arranjo do professor Odilon e da Madre Luísa Antonieta, diretora do Rainha da Paz, os dois se encontram, se conhecem, e daí, aos poucos, se inicia o namoro, confirmado após uma partida de vôlei entre as alunas do Rainha da Paz contra excursionistas de Passo Fundo – claro que Celso assiste à partida a qual Dione toma parte.
Ambos são filhos de agricultores – os pais de Dione moram em Passo Fundo, os de Celso moram em Lagoa Vermelha, mas são naturais de Sananduva. Mas o que mais impressiona o rapaz é o espírito da garota. Dione é inteligente, de mente aberta e profundamente religiosa. Em uma de suas conversas, ela conta sobre uma viagem que fez ao Uruguai e à Argentina, participando com a família das reuniões de um grupo chamado Movimento Familiar Cristão, que prega, entre outras coisas, a economia solidária. Durante o passeio, ela conhece fazendas-modelos que seguem os princípios da policultura e da economia solidária, e pensa em implantar um modelo parecido no Brasil. E consegue, ainda, incutir em Celso o desejo de participar desse projeto. Tanto que, em um período de férias, o rapaz vai a Passo Fundo junto com a namorada, para conhecer os pais de Dione e participar de reuniões do MFC. No ensejo, participa da festa de aniversário de dezesseis anos da garota.
Cada vez mais, ambos vão se entrosando, partilhando ideias. Outro passeio grande foi com uns amigos para a Granja Dolzan, conhecer seus modelos agropecuários. Dione, inclusive, aplica aos amigos um interessante teste de personalidade (aprenda você também, leitor!).
Mais tarde, é a vez de Celso convidar Dione para passar uns dias na propriedade dos Brescianini. Um dos maiores momentos do passeio se dá quando Dione acompanha Sérgio a uma caçada de pombos carijós – como controle de pragas das plantações. E, sabemos: no tempo de Fidélis Barbosa, não havia nada errado em caçar nos campos, já que a carne dos animais silvestres depois podia ser consumida. Mas ambas as famílias, os Brescianini e os Teixeira, aprovam cada um o namorado dos filhos.
Mas ambos decidem deixar o casamento para depois da conclusão do curso universitário. Celso se forma técnico em agronomia, Dione se forma professora.
E, após o casamento, realizado após um namoro sem obstáculos, ambos passam as núpcias viajando para o sul. Primeiro, viajam para o Uruguai. Conhecem os pontos turísticos de Montevidéu, passam por Maldonado, Sacramento e Punta del Este. Após, descem para Buenos Aires, na Argentina, visitam seus pontos turísticos – principalmente as igrejas. São ciceroneados por um padre, divertem-se assistindo um espetáculo de danças tradicionais. Aproveitam para fazer um pouco de teoria conspiratória – discutem a possibilidade do presidente brasileiro Getúlio Vargas ter sido assassinado em vez de ter se suicidado. Fazem um passeio pela região da Cordilheira dos Andes. E, claro, conhecem os modelos agropecuários tão referidos, a produção de vinho argentino... Se encantam pela cordialidade do povo. E voltam ao Brasil decididos a implantar o tão sonhado novo modelo de trabalho.
A segunda parte do livro começa com o início da concretização do sonho. De volta a Passo Fundo, o casal recebe de seus pais os meios para montar a granja: do pai de Dione, recebem o campo – seis milhões de hectares; e do pai de Celso, equipamentos, dinheiro sob empréstimo, e o capataz da granja, Ricieri Brum, e seus familiares, mulher e três filhos. Apesar de pouco letrado, Ricieri se mostra um empregado inteligente e muito eficiente, a ponto de conquistar a estima dos demais. E o casal já começa a trabalhar.
A fazenda recebe o nome de Fazenda de Fátima. Os trabalhos começam com a construção da casa do casal. Depois, com o plantio de trigo, a cultura inicial. São planejadas até moradias melhores aos empregados. Tudo com bastante planejamento, e o trabalho marcado pelo respeito dos patrões pelos empregados, de modo que estes se sintam satisfeitos – baseado nas encíclicas papais em defesa dos trabalhadores. Um dos carpinteiros, Antonio Bianchin, mais tarde é contratado para trabalhar na granja, ficando depois responsável pelo mercado.
Outro trabalhador citado na narrativa é Simpliciano de Oliveira, gaúcho campeiro responsável pela criação de gado da granja.
O trabalho é incessante, mas compensador. Lazer não falta aos empregados nos finais de semana, que podem se dedicar à caça e à pesca nos arredores. Longe da cidade e suas corrupções, em ambiente idílico, ao canto dos pássaros.
Assim que a casa fica pronta, há festa, e os empregados confraternizam com os patrões. Dione trata os filhos de Ricieri como se fossem seus, a ponto de estes fazerem companhia a ela na cozinha de sua casa. Só uma noite a senhora é tomada por uma saudade da vida citadina – e chega a pedir perdão a Celso por tal ideia.
Uma tragédia marca o trabalho na granja: a morte da filha mais velha de Ricieri, Ana Liési, em um acidente doméstico – o fogo do fogão pega em seu vestido, e seu corpo acaba queimado. Dione acaba se culpando – ela deixara Ana sozinha na casa enquanto colhia ervas para fazer chá. Em homenagem à menina, Dione dedica a capela mais tarde construída na propriedade a Ana Liési.
O plantel de empregados aumenta conforme o trabalho vai evoluindo. As atividades da fazenda se diversificam. Além do trigo, são desenvolvidas outras culturas – não fazendo o que se tinha feito até ali, e o que, de certa forma, se faz até hoje, ou seja, se dedicando à monocultura. Se alguma cultura entra em risco, outra pode cobrir o prejuízo. Além disso, na propriedade, se cria gado de boa raça, Devon, em pastagem artificial. E tal modelo não sofre interferência do governo.
Chega, afinal, a colheita do trigo, com excelentes resultados. Os rendimentos possibilitam a quitação das despesas contraídas, fazer melhoras na propriedade, construir uma escola para os filhos dos empregados, tendo uma das filhas de um empregado, recém-formada, como professora. E tem mais: pela dedicação ao serviço, Celso premia os empregados com uma viagem à praia, uma semana em propriedade construída em Arroio do Silva, Santa Catarina. Quem mais aproveita são os filhos dos empregados, que ganham o privilégio de conhecer o mar. Só houve um conflito: a falta de um padre para rezar missas na capela local. Depois de alguma insistência junto às autoridades eclesiásticas, Celso consegue resolver o problema, levando para lá um padre que inclusive aproveitou para descansar no local.
Os anos passam. A família de Celso e Dione aumenta com o nascimento dos filhos. O modelo implantado se mostra próspero, a escola local se mostra eficiente, os empregados, tanto os antigos quanto os mais novos, estão satisfeitos em trabalhar no local, junto a patrões tão simpáticos e bondosos – eles até convidam empregados de estima para serem padrinhos de batismo dos filhos. Mas aí, chega um difícil momento para aquela nova comunidade: a despedida do capataz Ricieri, disposto a montar uma propriedade nos mesmos moldes, aplicando tudo o que aprendera com o Dr. Celso. A despedida se dá durante uma cerimônia marcando o início da safra do trigo, que contou até com a presença do governador do Rio Grande do Sul da época, Ildo Meneghetti, e outras personalidades políticas e religiosas.
Mas a maior realização do casal Brescianini se dá no fim: a construção de um palacete em Passo Fundo, visando o futuro dos filhos. O palacete se torna o símbolo a prosperidade alcançada através do trabalho no campo.

ASPECTOS TÉCNICOS
Bem. O romance acaba ensinando muita coisa. Mas, infelizmente, pode não se adequar ao pensamento do leitor de hoje. Talvez tanto pela parte técnica, pela falta de grandes intrigas no enredo, que deixam a história meio enfadonha, que podem fazer o leitor se desinteressar pelos ensinamentos. Talvez nem fosse intenção de Fidélis Barbosa produzir um romance folhetinesco, com intrigas, inimigos e tudo; prevalece mesmo a evocação de um passado onde imperavam o respeito às instituições, o bucolismo do interior gaúcho e o amor ao trabalho; e o discurso da necessidade de um novo modelo econômico, baseado em ensinamentos cristãos. Infelizmente, ainda hoje, prevalece o modelo calvinista de trabalho, baseado no individual sobrepujando o coletivo.
A primeira parte do romance foi a que valeu todo o restante – o modo como o casal se conheceu e se entrosou. O restante é mais baseado em descrições, diálogos que soam artificiais, altas doses de pieguice. E a parte didática: o leitor não pode terminar o livro sem ter aprendido algo. Seja as lições da vida no campo, seja um pouco de história e geografia do Uruguai e da Argentina – boa parte do romance é um guia de viagem por esses países. E pode sair coçando a cabeça: seriam as teses lançadas por Fidélis Barbosa, para sustentar a versão do assassinato do presidente Vargas, plausíveis? Praticamente, Fidélis Barbosa, em PRISIONEIROS DO CAMPO, dominou o ofício de escritor. Um livro que vale a pena ser lido e analisado.
PRISIONEIROS DO CAMPO é mais fácil de encontrar nas bibliotecas públicas de sua cidade. Um novo modelo de Brasil é possível: é só os leitores deixarem de lado a desculpa de a poeira dos livros causar alergia, e lerem mais livros de papel. Por hora, este ainda não está disponível em versão eletrônica.
Está dado o recado.

Este texto é uma versão, com alterações, da resenha publicada anteriormente no blog Estúdio Rafelipe (https://estudiorafelipe.blogspot.com.br/). Aproveitem e conheçam.
Em breve, um novo livro de Fidélis Barbosa para vocês – e uma nova resenha.
Conheçam a Biblioteca Pública Municipal Theobaldo Paim Borges.
E prestigiem a Feira do Livro de Vacaria! De 18 a 22 de outubro, na Praça Daltro Filho!

Até mais!

domingo, 16 de outubro de 2016

Atividades da Biblioteca Theobaldo Paim Borges durante a Feira do Livro

Durante a Feira do Livro de Vacaria, de 18 a 22 de outubro de 2016, estaremos desenvolvendo diversas atividades na Biblioteca: 
Contação de histórias
Visita guiada na biblioteca
Sessão de vídeos
E muito mais,
Visite-nos, na Rua Borges de Medeiros, 1399 - Centro
Acesse a programação completa no link abaixo:
Biblioteca e a Feira do Livro