sábado, 15 de outubro de 2016

Seção Resenha de Livros: PRISIONEIROS DE VILA VELHA

Olá.
Hoje, em nova colaboração para o blog da Biblioteca Pública, trago a vocês um novo livro do escritor gaúcho Fidélis Dalcin Barbosa, autor o qual assumi um compromisso pessoal de resgatar e divulgar sua obra, que há anos nenhuma editora se interessou em reeditar. Resgatar antes que venha a apodrecer nas estantes empoeiradas das bibliotecas.
O livro de hoje é mais um da série “prisioneiros”. Não é bem uma série, mas a obra dele, composta por mais de 60 livros, inclui cinco romances com esse nome. Já falei de três: Prisioneiros dos Bugres (1966), O Prisioneiro da Montanha (1961) e Prisioneiros do Abismo (1962). Reparem que não estou seguindo a ordem de datas de publicação originais dos mesmos.
Então, hoje, falo de: PRISIONEIROS DE VILA VELHA.
PRISIONEIROS DE VILA VELHA foi lançado pela primeira vez em 1964, pela editora Lar Católico, de Juiz de Fora, MG. Devo avisar, inicialmente: este romance possui uma segunda versão.
PRISIONEIROS DE VILA VELHA alia várias das características presentes nas obras anteriores já resenhadas aqui: religiosidade (já que Fidélis Barbosa foi padre); didatismo (já que Fidélis Barbosa também foi professor); compromisso em divulgar aos leitores as atrações naturais da região Sul do Brasil (já que Fidélis Barbosa viveu em muitas cidades do Rio Grande do Sul e teve passagens por Paraná e Santa Catarina). E mantendo, nesta obra, várias das características observadas em outros livros da série “prisioneiros”: os cenários das narrativas existem mesmo; em algum momento, os personagens principais acabam em uma situação limite, tendo de sobreviver com poucos recursos, em algum lugar de grandes encantos naturais, mas de acesso difícil ao homem; os personagens são fervorosamente religiosos, e confiam na providência divina – e esta, acaso ou não, não os abandona, aparece na forma de recursos providenciais, como alimentos que aparecem “de repente”; as histórias são, em grande parte, otimistas, e terminam em final feliz.
Um dos maiores diferenciais de PRISIONEIROS DE VILA VELHA é o cenário que muda um pouco: saímos da região serrana do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e vamos mais para o norte. A história se passa quase que inteiramente no estado do Paraná.
A beleza natural escolhida da vez foi o parque estadual de Vila Velha – não confundir com a cidade de mesmo nome, localizada no estado do Espírito Santo. Esta Vila Velha do Paraná, localizada próxima ao município de Ponta Grossa, e a ele pertencente, é uma reserva natural famosa pelas formações rochosas. As grandes pedras de arenito existentes na região foram esculpidas, há milhares de anos, pelo vento, pelas chuvas e por outras intempéries, e, desse modo, assumem formas pitorescas e muito admiradas pelos visitantes. A mais famosa dessas formações é o “cálice”, justo o que ilustra a capa acima. Mas ainda tem outras formações, como a “cabeça de camelo”, a “proa do navio”, os “castelos medievais”, a “tartaruga”, a “bota”, a “cabeça do índio”... Além das formações rochosas curiosas, Vila Velha ainda tem duas grandes atrações aos seus visitantes: as furnas, um conjunto de grutas, desfiladeiros e nascentes de rios – em uma das furnas, fica as pitorescas rochas que “flutuam”, encostadas uma na outra, sempre dando a impressão de que, a qualquer momento, irão cair; e a Lagoa Dourada, o grande reservatório de água cujas águas ficam mesmo douradas conforme a posição do sol. O livro foi publicado dois anos antes de ser criado oficialmente o Parque, através de decreto governamental, mas possivelmente o local era muito procurado por turistas desde antes, e muito pesquisado pelos geólogos – Fidélis Barbosa se baseou em estudos desses geólogos para compor a narrativa.
A Vila Velha paranaense, a “cidade dos artistas”, como também é conhecida, também esconde lendas populares a respeito de fantasmas, tesouros enterrados por jesuítas e outras lendas. O aspecto místico, ao lado do aspecto científico, também é amplamente utilizado por Fidélis Barbosa para contar os sofrimentos de Sílvia e seu filho Paulinho.
Bão. A versão original da história é curta, de leitura rápida e bem simples. A edição da Editora Lar Católico, em formato de bolso, tem 96 páginas, numa história estruturada em 21 capítulos.
A jovem e bela Sílvia, filha de um hoteleiro catarinense, e que ajudava o pai a administrar o hotel localizado à margem da rodovia BR-2 (atual rodovia BR-116), no início da história, casara com Rafael, um caminhoneiro paranaense honrado e trabalhador que se apaixonara por ela. O casal passa a residir, após o casamento, em uma casa alugada em Curitiba, capital do Paraná, tem um filho, Paulo, e vivem felizes, até que, após três anos de casamento, Rafael acaba morrendo em um acidente de caminhão.
Sílvia fica desesperada com a morte do marido, já que tem o filho para sustentar. Ela passa algum tempo procurando trabalho e ouvindo recusas por causa do filho, até que ela é aceita para trabalhar na casa de Porfírio, um rico fazendeiro curitibano, mas extremamente avarento. De modo que Sílvia, pelos serviços domésticos prestados, recebia apenas comida e moradia, e é repreendida pelo patrão quando dá esmolas a mendigos. Mesmo assim, consegue criar o filho de modo que este cresce forte. A vida na casa de Porfírio seguia com alguma harmonia, até o dia em que, durante a ausência do patrão e sua família, a casa é assaltada. Como Sílvia dormia em um casebre nos fundos do lote, e o patrão não permitia empregados dormindo na casa, Sílvia não teve como impedir o roubo de grandes somas em dinheiro e objetos. Quando Porfírio volta, e vê o resultado do saque, ameaça matar Sílvia e o filho. A moça, já desesperada, resolve fugir enquanto o patrão vai dar parte à polícia. Com apenas uma mala com roupas, um resto de comida e uma Bíblia dentro, e o filho da tiracolo, Sílvia foge de Curitiba pela estrada de Ponta Grossa, de carona com um caminhoneiro. No meio da estrada, a moça e o filho desembarcam para se esconder no mato, certos que Porfírio, de alguma forma, os perseguiria.
Depois de muito andar pelo mato, mãe e filho chegam aos arredores do parque de Vila Velha, que já contava com um grande movimento de turistas. Mas mal podem admirar alguma coisa: precisam ficar escondidos, pois entre os turistas pode estar o Sr. Porfírio.
À noite, Sílvia e Paulinho se abrigam em uma gruta – justo a das pedras suspensas – para passar a noite, tendo apenas roupas da mala como cobertor. E Sílvia acaba tendo um sonho: um índio, se apresentando como protetor de Vila Velha, local onde ninguém poderá estabelecer moradia – quem vier, admirará suas belezas e depois voltará para o lugar de onde veio. Mas, ciente de que Sílvia está, junto com seu filho, passando por sofrimentos, o “bugrinho” lhe faz uma revelação: se ela ficar três noites consecutivas no local, no quarto dia, aparecerá um anjo, que virá em seu auxílio e a conduzirá a uma cidade distante, onde a mulher encontraria um tesouro, se tornaria rainha e seu filho se tornaria príncipe herdeiro. Mesmo sem entender o significado do sonho, e mesmo sem acreditar nas palavras do “bugrinho”, Sílvia decide ficar os três dias no local, dependendo apenas da providência divina e da fé em Deus para ela e o filho sobreviverem, “prisioneiros” que estavam de Vila Velha.
O intenso movimento de turistas na “cidade dos artistas” faz ambos se esconderem no mato, perto de um córrego de água. Depois de algum tempo rezando e lendo uma Bíblia, Sílvia resolve mandar o filho, levando um troquinho de reserva, comprar alguma comida junto aos turistas – mas com alguma cautela: podia ser que seu Porfírio esteja entre eles, à sua procura.
Paulo acaba tendo sorte: perto do local onde os turistas fazem piquenique, ele encontra uma família de São Paulo, que, comovidos com a história que Paulo lhes conta, não apenas oferece ao menino um pouco de comida, como fazem um pacote para que ele leve à mãe – e sem cobrar nada. Sílvia mal consegue conter as lágrimas pela providência divina não a abandonar.
Após o almoço, o menino resolve voltar para visitar Vila Velha, mesmo tendo de deixar a mãe só, escondida, pelo medo do patrão. Paulo acaba se juntando a uma excursão de um colégio católico – alunas do Colégio Sacre Coeur de Marie, de Belo Horizonte, MG – e, em companhia das mocinhas, que se afeiçoaram ao menino e seu sofrimento, aprende, com as religiosas que acompanham as alunas, várias coisas a respeito de Vila Velha e seus "monumentos". Uma das irmãs da excursão faz a explicação científica dos fenômenos locais. E é possível que as tais alunas fossem conhecidas do próprio Fidélis Barbosa e tenham, em algum momento, pedido a ele para figurarem como personagens de algum livro dele, pois elas têm até o nome completo explicitado.
Após a visita, e de ganhar um pacote de comida das alunas, Paulo se despede, já saudoso das simpáticas meninas. E, à noite, Sílvia acaba tendo o mesmo sonho, com o "bugrinho".
No dia seguinte, Paulo volta a Vila Velha, deixando a mãe mais uma vez sozinha. Já está confiante, inclusive, para servir de cicerone – e é o que ele faz com um grupo de estudantes rapazes de Porto Alegre, colégio Nossa Senhora das Dores, apesar de estes já terem um caboclo, morador dos arredores, como guia. O caboclo chega a contar, inclusive, sobre um tesouro enterrado no local – as narrativas a respeito de fantasmas existentes no local se contrapõem à parte científica explicada pela irmã do Sacre Coeur no dia anterior, e acaba batendo, de certa forma, com o sonho de Sílvia – o que, posteriormente, após ouvir pela boca de Paulinho, dá à mulher mais confiança para acreditar na profecia do “bugrinho” de seu sonho.
Desta vez, o menino vai mais além: de carona com os estudantes em seu ônibus (com a autorização da mãe), Paulo visita a Lagoa Dourada, outra beleza natural dos arredores, e as Furnas que alimentam as águas da lagoa. E Paulo volta junto à mãe, em segurança.
Só no terceiro dia, pela manhã, Sílvia aceita visitar Vila Velha em companhia do filho, admirar os monumentos de pedra. E retorna ao esconderijo antes de começar o fluxo de turistas. Mas, nesse terceiro dia, Sílvia e Paulo acabam encontrando o "anjo": a menina Liane, de dez anos. Ela está no local em companhia do pai, Gabriel, um grande cafeicultor da cidade de Londrina, PR. Quando Paulo vai pedir comida junto aos turistas, encontra a menina, que, solitária desde a morte da mãe, se afeiçoa ao menino. E insiste não apenas para que o pai leve mãe e filho para Londrina, com eles, como os acolha em sua casa. No caminho, a família ainda aproveita para visitar a catedral de Nossa Senhora de Vila Velha, em Ponta Grossa, que fica no caminho.
Logo que é hospedada no palacete de Gabriel, Sílvia acaba despertando o ciúme de Rosa e Ângela, as duas criadas mulatas do cafeicultor, certas de que a mulher iria ficar na casa. Mas o patrão garante que ela só vai ficar por alguns dias, até arranjar um trabalho. Enquanto isso, Liane faz de Paulo um companheiro de brincadeiras.
Mas, assim que Gabriel consegue arranjar um serviço para Sílvia, ela e o filho tem de ir embora, o que acaba deixando Liane triste – já que alimentava a esperança de que Paulo se torne seu irmãozinho – e doente. Adoece gravemente, e, em delírios de febre, chama por Paulo e por Sílvia. No fim, o remédio foi buscar a mulher para ver a menina. Mas Sílvia acaba ficando um pouco mais: ela identifica a doença de Liane – varíola, uma doença grave, mas, felizmente, hoje já extinta – e, como já tratara do mesmo mal no filho, fica tratando da menina até ela sarar.
Mas não para por aí. Liane, restabelecida, pede ao pai que Sílvia se torne sua mãe. Gabriel já acreditava ter feito sua parte acolhendo Sílvia em Vila Velha, mas, para atender o desejo da filha, decide conquistar a humilde mulher – apesar de ainda estar preso à falecida esposa. Dá a Sílvia um vestido de presente, começa a sair com ela, testando a opinião pública. E, no fim, se apaixona pela agora elegante Sílvia (e é correspondido), e ambos acabam se casando, realizando assim a profecia do "bugrinho" – Sílvia se torna “rainha”, e Paulinho, o príncipe herdeiro. Mesmo levando uma vida agora regalada, Sílvia nunca deixa a fé de lado, e promove ações de caridade em agradecimento a Deus pela boa ventura.

A história é marcada pela intensa religiosidade, pelos acasos convenientes mais ao autor que aos personagens, da pieguice da narrativa (dê um desconto para o final da história), pelos muitos “buracos” existentes na história, os quais o leitor pode preencher com sua imaginação... e da necessidade de propagandear mais uma atração turística natural. Só por este objetivo, PRISIONEIROS DE VILA VELHA já se sustenta. Mas a história não ficaria ruim adaptada para um filme, ou mesmo na forma de uma minissérie televisiva.
Mas não fica por aí, senhores.
Tempos depois, o escritor lança uma nova edição do livro, revista e ampliada – a capa acima é da edição de 1994, publicada pela Tipografia Sananduva, de Sananduva, RS. De 21 capítulos, a história passa a ter 30. As ampliações incluem: novos capítulos iniciais, contando com mais detalhes a história do motorista Rafael, detalhando seu namoro com Sílvia no Hotel Paganella, com a plena aceitação das famílias de ambas as partes, dando sobrenome aos personagens – Rafael de Oliveira e Sílvia Paganella – e dando um jeito de incluir os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul na narrativa, incluindo os fatos da enchente do Passo do Socorro de agosto de 1965, que destruiu tanto a antiga ponte sobre o Rio Pelotas, entre Vacaria e Lages, como a ponte nova que fora construída ali próximo. Uma nova ponte seria inaugurada em 1966. Com relação à primeira edição, tais capítulos novos, dada a artificialidade dos diálogos entre os personagens, acaba soando supérfluos – a história já se sustentava com uma narrativa curta e “assim, por cima”, da vida do caminhoneiro Rafael, antes de sua morte.
As ampliações incluem ainda novos trechos enxertados, mas que não consertam os buracos existentes na primeira edição, como um provável destino para Porfírio, ou os motivos da afeição de Liane para com Paulinho. Mas tem, sim, algo que “agregou valor” ao conjunto: um novo capítulo final, mostrando o futuro de Paulinho e Liane – ambos fazem curso universitário, ele de geologia, ela de enfermagem – e ambos acabam se casando. Fidélis Barbosa ainda aproveita o ensejo para fazer um "merchandising" próprio, falando rapidamente de um de seus livros, o Prisioneiros do Abismo.
Oh, não: sem querer, acabei, nesta resenha, entregando o final do livro! Não, mentira, foi de propósito. Para falar das mudanças entre as edições, eu tive, sim, de fazer isso. Mas isso não tira dos meus 17 leitores uma obrigação em procurar e ler este livro. Merece a versão para cinema ou TV? Merece. É um bom guia para visitar Vila Velha, no Paraná? Sim. É o retrato de uma época que não volta mais? É.
E, vou repetir algo que disse antes: não me venham com a desculpa que a poeira de livros velhos lhes dá alergia. Visitem a biblioteca de sua cidade! Ao menos, até resolverem lançar uma versão deste livro para meios eletrônicos, o que hoje está muito em moda.

Esta resenha é uma versão, com alterações, do texto publicado anteriormente no blog Estúdio Rafelipe (https://estudiorafelipe.blogspot.com.br/). Aproveitem e confiram.
Os títulos aqui resenhados estão à disposição na Biblioteca Pública Municipal Theobaldo Paim Borges, de Vacaria.
Em breve, um novo livro de Fidélis Dalcin Barbosa para vocês. E uma nova resenha.

Até mais!

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Seção Resenha de Livros: PRISIONEIROS DO ABISMO

Olá.
Hoje, em mais uma colaboração para o blog da Biblioteca Municipal, trago mais um livro de Fidélis Dalcin Barbosa, para rememorar o escritor, ex-padre e pesquisador gaúcho. E vale a pena rememorar antes que ele acabe esquecido por completo.
Fidélis Dalcin Barbosa tem, entre seus mais de 60 livros, cinco com o título “Prisioneiros”. Já falei de dois desses livros: Prisioneiros dos Bugres e O Prisioneiro da Montanha. Hoje, falo de mais um com o título: PRISIONEIROS DO ABISMO. Um livro infanto-juvenil mais “moderno”, ao menos para sua época.
PRISIONEIROS DO ABISMO foi publicado pela primeira vez em 1962, pela editora EST (Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes), de Porto Alegre, RS. Segundo informações da internet, a segunda edição do livro foi lançada pela editora Paulinas, de São Paulo. A capa acima, do exemplar disponível na Biblioteca, é da terceira edição do romance, lançada em 1995 pela EST.
PRISIONEIROS DO ABISMO é um romance bastante rápido – 30 breves capítulos distribuídos em 87 páginas – e que alia tudo o que o escritor mais utilizava em sua obra: didatismo, com informações geográficas, históricas e folclóricas a rodo ao longo do texto; desejo de divulgar aos leitores os atrativos do Rio Grande do Sul, bem como suas belezas naturais; e um pouco de religião e de moralismo. Mas com uma pequena dose de controvérsia – o que poderia ser uma boa ideia em 1962 pode não ser nos dias de hoje, com tantos movimentos pela conservação ambiental.
Bem. Através da saga ficcional de dois amigos, Fidélis Barbosa se propõe a apresentar aos leitores os atrativos turísticos da serra gaúcha, com maior destaque para o Taimbezinho, o maior conjunto de cânions (paredões de pedra) da América Latina.
O Taimbezinho se localiza no município de Cambará do Sul, RS, no Parque Nacional dos Aparados – cenário de outro romance de Fidélis Barbosa já resenhado aqui, O Prisioneiro da Montanha. É possível comparar o conjunto do Taimbezinho ao Grand Canyon, do estado do Arizona, nos Estados Unidos, mas com mais diferenças: enquanto o Grand Canyon foi formado pela ação erosiva das águas do Rio Colorado e se localiza em uma região seca e árida, o Taimbezinho foi formado praticamente de uma vez só, em uma “gargalhada telúrica”, localiza-se em uma região de umidade mais constante – graças à sua localização mais próxima ao mar – e contém uma ampla vegetação. Hoje, é um ponto turístico requisitado na região da Serra Gaúcha, fronteira com Santa Catarina.
Na época da publicação do romance, o Taimbezinho não era tão visitado, nem contava com uma infraestrutura que possibilitasse o turismo. Hoje, temos estradas de acesso – não faz muito tempo, por exemplo, que foi concluída a construção da rodovia de ligação entre Bom Jesus, RS, e Araranguá, SC – e infraestrutura. Essa questão, da infraestrutura turística, é um dos pontos controversos do romance: Fidélis Barbosa defendia a montagem de mais hotéis e restaurantes na região para uma maior visitação de turistas, que nem pernoitar podiam, visitavam o local à tarde e iam embora logo depois, e corriam o risco de perder o espetáculo da natureza nos melhores horários da manhã. Hoje, para uma melhor conservação do meio-ambiente, e por consequência do local referido, uma estrutura turística como a descrita por Barbosa soa como predatismo, ainda mais com o péssimo hábito de muitos turistas de deixar lixo nos locais de visitação.
De todo modo, o Taimbezinho também atrai aventureiros e esportistas, que se arriscam para descer os cânions e apreciar as belezas naturais. E não foram poucos os acidentes ocorridos na região, casos de gente que acabou se perdendo e/ou morrendo na região (o texto de orelha da presente edição do livro narra alguns desses casos). Certos atrativos valem mais a pena por não serem isentos de riscos e possibilidades de aventuras.
Bão. Os personagens do romance são os amigos Danilo Vedana e Mário Lacerda, ambos quase adultos e estudantes de um colégio de Porto Alegre, no ano de 1961. Mário é moço da cidade, que passa as férias no litoral; e Danilo, filho do dono de uma serraria de Bom Jesus, costuma passar as férias na Serra Gaúcha, ajudando o pai e se dedicando à caça. Um dia, Danilo, ao contar para Mário a respeito de suas últimas férias, acende em Mário o desejo de conhecer o Taimbezinho. Ambos concordam em visitar a região na semana antes do início das aulas – e, na ocasião, estava se realizando mais uma Festa da Uva, de Caxias do Sul. Ambos, em um sábado, de carona com o pai de Danilo, dão uma passada em Caxias do Sul, mas não dá para ver muita coisa da Festa da Uva por conta da chuva. Na segunda-feira, percorrendo a BR-2 – hoje BR-116 – e passado por São Marcos, Vacaria e Capão do Tigre, chegam a Bom Jesus, e, depois, os dois rapazes partem para explorar a região serrana, sozinhos, no jipe. Danilo, moço de sítio, experimentado em explorações, amante do saber e fortemente religioso, como bom descendente de italianos, sempre dando informações ao deslumbrado Mário, sempre embasbacado com a paisagem. Mas a viagem esconde ainda outro objetivo de Danilo: que Mário se retrate da vidinha desregrada que ele sabe que leva por conta de más companhias.
A primeira metade do livro é praticamente um guia turístico escrito (pena que não tenha ilustrações para apoiar o leitor desavisado) e dialogado sobre a Serra Gaúcha, a Região dos Aparados e o Taimbezinho. Só na segunda metade, ali pelo capítulo 19, que ocorre o clímax da história, e o título acaba se justificando. A situação vivida por Mário e Danilo em PRISIONEIROS DO ABISMO acaba, em certo momento, replicando a vivida pelo personagem Pedro Uliana em O Prisioneiro da Montanha.
De volta ao enredo. Danilo e Mário percorrem a fronteira do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Visitam uma serraria e presenciam uma derrubada de pinheiros; visitam uma gruta com ossadas de índios; passam pelo litoral, entre Araranguá, na Zona Carbonífera de Santa Catarina, e Torres, no RS – e aproveitando o ensejo para visitar as Furnas do Sombrio, em Sombrio, SC; e, depois, percorrem a Serra do Pinto em direção a Cambará do Sul e ao Taimbezinho. Um dos episódios pitorescos da viagem ocorre quando o jipe fica com defeito e para na estrada, sendo socorrido por um caminhoneiro; bastou Danilo fazer uma oração para que o jipe voltasse a funcionar, e se evitasse que ele fosse para a oficina! A fé e o otimismo de Danilo serão os grandes sustentáculos, para o episódio que virá a seguir.
Chegando no Taimbezinho, os dois amigos resolvem explorar o local, e descem pelo abismo. No entanto, ocorre um imprevisto: uma forte chuva provoca uma forte enxurrada no meio do caminho percorrido pelos rapazes, mas, felizmente, ambos conseguem abrigo entre as pedras. No entanto, o alívio logo se transforma em pesadelo – ao menos para Mário. A água demora a baixar, impossibilitando a saída do local. Resta a ambos, até ficar tudo favorável para a saída do vale, esperar. Entretanto, leva cerca de cinco dias até que possam tentar sair do vale. Enquanto isso, precisam inicialmente se arranjar no abrigo improvisado. Depois de acabarem com as provisões de seu farnel, Danilo aproveita a calma das águas de um poço para pescar, com bons resultados. Mais tarde, um boi acaba caindo no precipício, bem no local onde os rapazes estão. Felizmente, sua carne e couro ficaram aproveitáveis apesar da queda nas pedras que praticamente o fez em pedaços.
Enquanto isso, Mário e Danilo conversam, discutem, brigam até. Mas Danilo, que em momento algum perdeu a fé nem o otimismo, consegue o que queria: que Mário aproveitasse a situação semi-kafkiana para fazer um exame de consciência sobre sua vida até ali – e tomasse a resolução de mudar seu modo de viver para uma vida mais regrada e santificada. Tudo depois de constatar que a fé de Danilo estava praticamente operando milagres naquele local. Nem mesmo a queda do boi no local deixa dúvidas. E, quando tudo parece favorável, é o momento para subir e sair dali...
E, antes do retorno para Porto Alegre, a viagem ainda prossegue por Canela e Gramado, cidades da Serra Gaúcha.
Bem. O livro cumpre o papel proposto por Fidélis Barbosa: é um guia turístico. Descreve em minúcias os atrativos da Serra Gaúcha e de Santa Catarina, com informações sobre a fauna, a flora, a geologia, a história... e alguns causos humorísticos dispersos na narrativa. O conhecimento de Fidélis Barbosa de sua região é um ponto forte, preocupando-se tanto com o público leitor do Rio Grande do Sul como o de outras regiões do Brasil.
O problema reside, mesmo, nos diálogos entre os personagens, que acabam soando artificiais. Embora a personalidade e as motivações dos personagens sejam construídos através de suas ações na narrativa, Danilo e Mário não são exatamente tipos cativantes, daqueles que a gente considera a ponto de parecerem reais. O argumento e a construção da história cumprem meramente o papel de apresentar o cenário. A narrativa corre preguiçosamente, sem muita pressa de chegar logo à parte emocionante, em um tom de texto escolar. A história só começa a ficar mais interessante por volta do capítulo 19, com a descida dos personagens no Taimbezinho. Até mesmo algumas informações sobre técnicas de como sobreviver no mato, já utilizadas no já citado Prisioneiro da Montanha estão presentes. A diferença fica mesmo no deslocamento temporal – enquanto PRISIONEIROS DO ABISMO se passa em 1961, Prisioneiro da Montanha se passa no período entre 1902 e 1919.
Mesmo o argumento moralizante proposto por Barbosa não é muito convincente. Mas é preciso compreender, ele foi padre – e, na época em que o romance foi escrito, o conceito de moralidade era diferente do de hoje. Era mais fácil pregar aos jovens sentimentos de religiosidade, de ética e de respeito à autoridade. O sentimento de conservação ambiental também era outro – Fidélis Barbosa chega, em certo ponto, a propor, indiretamente, a comercialização da lama medicinal presente nas Furnas do Sombrio! Questionável, não?
Além do mais, o romance está praticamente datado. Ao menos, sua leitura descreve sua época, quando as estradas de acesso aos locais descritos ainda era de pedra, e o sentimento de conservação ambiental não era tão forte – assim como o progresso. As coisas mudaram muito desde 1962. Mas o Taimbezinho ainda pode ser visitado. Só tomem cuidado com os paredões de pedra!
O livro tem prefácio de Mário Gardelin. E talvez merecesse, segundo as palavras do escritor Mansueto Bernardi (contemporâneo de Fidélis Barbosa), uma adaptação para o cinema, ou para a TV. Já faz uma boa propaganda da Serra Gaúcha. Se deu certo com a minissérie A Casa das Sete Mulheres, por que não com PRISIONEIROS DO ABISMO?

Este texto é uma versão revista, e com leves alterações, da resenha publicada anteriormente no blog Estúdio Rafelipe (https://estudiorafelipe.blogspot.com.br/). Aproveitem o ensejo e visitem.
E visitem também a Biblioteca Pública Theobaldo Paim Borges. Todos os títulos que aparecem neste blog estão disponíveis em seu acervo.
Em breve, mais um livro de Fidélis Barbosa para vocês.

Até mais!

domingo, 9 de outubro de 2016

Feira do Livro de Vacaria - Patrono: Celso Sisto

Programação diária durante a feira na Biblioteca Pública Municipal
Dia 18/10/16 - Terça-feira

10h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Marcelino Pedregulho
        Contação de História: Professora Cristiane

13h- Espaço Aberto para professores e alunos organizarem RODA DE LEITURA na biblioteca


14h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Marcelino Pedregulho
        Contação de Histórias:
        O pequeno Príncipe
        A joaninha que perdeu as pintinhas


15h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Chapéu de palha – Mary França
        Contação de Histórias:
        Rádio 2031
        O gato preto

16h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Um redondo pode ser Quadrado – Canini
        Contação de Histórias:
        A pequena Sereia
       João cabeça de feijão

17h - Programação para adultos
       Jogo de ideias – Ruth Rocha: Leitura e Literatura Infantil
       Vídeo - Duração: 52:37

Dia 19/10/16 - Quarta-feira
10h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: A maior flor do mundo - José Saramago
        Contação de Histórias: Professora Cristiane

13h - Espaço Aberto para professores e alunos organizarem RODA DE LEITURA na biblioteca.
 

14h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: A menina que odiava livros
        Contação de Histórias:
        A chapeuzinho Vermelho

15h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Atrás da porta – Ruth Rocha
       Contação de Histórias: Fábulas de Monteiro Lobato

16h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Galo Galo não me calo – Sylvia Orthof
       Contação de Histórias
       A fada do dente 15:30h
      João e Maria 16h

17h - Programação para adultos
        Gladiomar Saade  - A literatura como ferramenta da leitura do mundo, das pessoas e das coisas
        Vídeo -Duração: 52:11


Dia 20/10/16 - Quinta-feira

10h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Histórias Que Não Acabam Aqui – Teresa Lopes
        Contação de Histórias: Professora Cristiane

13h - Espaço Aberto para professores e alunos organizarem RODA DE LEITURA na biblioteca.

14h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Bruna e a Galinha de Angola – Gercilga de Almeida
       Contação de Histórias: Bolsistas PIBID

15h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo:  A casa sonolenta – Audrey Wood
        Contação de Histórias: Bolsistas PIBID

16h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Lino – Callis
        Contação de Histórias: Bolsistas PIBID

17h - Programação para adultos
        Era uma vez...(parte 1) - Programa educação
        Vídeo -Duração: 26:23



Dia 21/10/16 - Sexta-feira

10h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Quando a escola é de vidro – Ruth Rocha
        Contação de Histórias com a  Professora Cristiane

13h - Espaço Aberto para professores e alunos organizarem RODA DE LEITURA na biblioteca.

14h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: De onde vem os livros
        Contação de Histórias: 

        Branca de Neve
        A bela e a fera

15h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: Bruxas não existem -
        Moacyr Scliar
        Contação de Histórias:
        A Bela Adormecida
        Peter Pan


16h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: História de Silvia
        Contação de Histórias:
        Os três porquinhos

17h - Programação para adultos
        Era uma vez...(parte 2) – Programa educação
        Vídeo - Duração: 27: 01

Dia 22/10/16 - Sábado

10h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: João da Água - Patrícia Engel Secco
        Contação de Histórias com a  Professora Cristiane

13h - Espaço Aberto para professores e alunos organizarem RODA DE LEITURA na biblioteca.

14h - Visita à biblioteca: roteiro (Mari)
        Vídeo: A árvore do Beto – Ruth Rocha
        Contação de Histórias: Chapeuzinho Vermelho

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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Seção Resenha de Livros: O PRISIONEIRO DA MONTANHA

Olá.
Aqui é o Rafael novamente, com mais uma Seção Resenha de Livros, trazendo mais informações a respeito de obras disponíveis na Biblioteca Pública Municipal Theobaldo Paim Borges, de Vacaria, RS.
Na última resenha, escrevi a respeito do escritor gaúcho Fidélis Dalcin Barbosa (1915 – 1997) – ex-padre, pesquisador, prosador.
Pois, meio que resolvi fazer um resgate, através deste blog, de sua obra literária. Fidélis Barbosa andava meio esquecido pelos próprios conterrâneos, então esta pequena iniciativa destina-se a, pelo menos, tornar esse escritor conhecido das novas gerações, e relembrado pelos mais velhos. Se seus livros porventura voltarem a ser procurados, maiores são as chances de serem republicados.
Hoje, então, vou falar de um de seus primeiros livros publicados: O PRISIONEIRO DA MONTANHA. Uma novela juvenil inteiramente sul-brasileira.
O PRISIONEIRO DA MONTANHA foi publicado originalmente em 1961. Foi um dos primeiros livros de Fidélis Barbosa. Oficialmente, seu primeiro livro foi o livro de contos Semblantes de Pioneiros, também de 1961, seguindo, ainda no mesmo ano, pelo também livro de contos O Primeiro Beijo. Sim: foram três livros publicados em 1961.
O PRISIONEIRO DA MONTANHA teve sua primeira edição pela Editora Flamboyant, de São Paulo. A tiragem inicial, de seis mil cópias, esgotou-se em poucos meses, devido às boas críticas recebidas na época. As edições seguintes chegaram a dez mil exemplares, depois três, depois dois mil exemplares. A sétima edição saiu pelas Edições Loyola, de São Paulo, com três mil exemplares. E, a partir da oitava edição, o livro passou a sair pela editora EST, de Porto Alegre, RS. A capa acima é justamente da oitava edição, lançada em 1997, pela EST.
Com 80 páginas (sem contar capa), e estruturado em 27 capítulos, O PRISIONEIRO DA MONTANHA é um romance infanto-juvenil de fácil leitura e compreensão da ação da história, que é praticamente uma recriação do clássico Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, no cenário da fronteira do Rio Grande do Sul com Santa Catarina – em vez de ilha, temos as montanhas da região da Serra.
Com elementos de típico folhetim televisivo, sob medida para cinema e televisão – com final feliz e tudo – O PRISIONEIRO DA MONTANHA é ambientado nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A intenção do autor é levar ao leitor, com descrições riquíssimas, as belezas da região dos Aparados da Serra, a grande cadeia de montanhas e cânions existentes na fronteira dos dois estados sulinos. Até hoje, os Aparados são um importante ponto de turismo ecológico do Rio Grande do Sul – a região pode ser acessada através dos municípios de Cambará do Sul e São José dos Ausentes.
Fazia pouco tempo que o Parque Ecológico dos Aparados da Serra havia sido criado – em 1959, para ser mais exato – quando Fidélis Barbosa escreveu o romance, que incorpora, além do cenário idílico, elementos e aspectos descritivos da imigração italiana no sul brasileiro, e sua forte afeição ao trabalho, lutando contra adversidades. Há também elementos que ele usa largamente nos livros seguintes, como uma descrição dos índios do sul, e seus conflitos com os imigrantes europeus que instalaram-se na região – entre eles, no que diz respeito às suas concepções de trabalho. Isso tudo ajuda a caracterizar melhor o herói da trama, Pedro Uliana, que narra em primeira pessoa as suas aventuras.
A história começa em 1902, no Sudeste Catarinense, e vai até 1919, em um trajeto que, antes de passar pelos Aparados da Serra, passa pela cidade de Tubarão, em Santa Catarina.
Pedro Uliana é filho de imigrantes italianos de Nova Treviso, região de Urussanga, no Sudeste catarinense. Ainda jovem, ele começa a incorporar o espírito aventureiro, ao tomar parte nas expedições bugreiras, de caça aos índios hostis – os botocudos e caigangues, ou “bugres” – que invadiam, assaltavam propriedades rurais e, não raro, faziam vítimas fatais. A família de Pedro fora vítima de uma incursão de “bugres”, logo no início do livro, que por pouco não vitimou suas irmãs.
Durante essas expedições, Pedro toma gosto pela vida de aventuras pela floresta, mas não dura muito tempo: o pai de Pedro resolve mandar o filho para estudar em Tubarão, na esperança de vê-lo se tornar “doutor”. A princípio, Pedro fica contrariado, mas, com o tempo, se afeiçoa aos estudos no Colégio São José das Irmãs da Divina Providência. Lê romances célebres com gosto, sendo seu preferido o Robinson Crusoé de Defoe.
E, mais que isso: arranja uma namorada na cidade. Ele, que trabalhava em um armazém para pagar a pensão, apaixona-se por Maria Helena, filha do tabelião local – logo, uma moça de condição social superior. Mas o rapaz é correspondido em sua paixão, e a moça, apesar de muito disputada pelos rapazes locais, declara a Pedro que nunca casaria com outro rapaz a não ser ele. E, como prova de amor, Pedro promete trazer a Maria Helena – que gostava de ouvir as narrativas de Pedro a respeito de sua vida de aventureiro – uma pele de onça caçada por ele.
O sofrimento de Pedro começa por causa de um rival, Hélio, que também disputava a atenção de Maria Helena. Durante uma festa na vila, ocorre um crime, e Pedro, por conta das maquinações de Hélio, acaba acusado, apesar de ser inocente, e preso. Mas consegue fugir, graças a um dos guardas da prisão, que conhecia sua fama de gente de bem. E foge de Tubarão, de volta a Nova Treviso, mas apenas brevemente, para rever a família: Pedro resolve se refugiar no mato, temendo a perseguição da polícia. E sua andança para se esconder chega até a fronteira do Rio Grande do Sul, na região dos Aparados.
Pedro refugia-se no ponto mais alto dos Aparados – o monte do Realengo. Ali, em meio à esfuziante paisagem natural, encontra abrigo em um galpão abandonado, um refúgio para os criadores de gado. Aliás, perto dele estão algumas cabeças de gado, esquecidas por um criador de gado dos arredores. Porém, uma forte tormenta cai, naquela noite, na região, e uma enxurrada acaba cortando o acesso de Pedro para a base da montanha. O rapaz se vê, de repente, preso no monte, junto com as cabeças de gado. Isolado do restante do mundo, como Robinson Crusoé. E, por consequência, precisa prover sua sobrevivência no local, sujeito a chuva, nevoeiros, feras. Mas ele acaba se saindo bem.
Reunindo seus conhecimentos de mato quando foi bugreiro, Pedro, de início, provém seu sustento através da caça de aves da região e de água de um manancial ali próximo. Em princípio, sem armas, mas, depois, consegue fazer para si um arco e algumas flechas. Com um único grão de milho, achado em seu paletó, Pedro consegue fazer uma plantação que complementa preciosamente sua dieta – mas a espera pela safra é penosa. O pior é a falta de sal para temperar a carne de caça.
Um dia, ele presencia uma luta entre um dos touros que ficou preso com ele, e uma onça – popularmente conhecida como “tigre” no Rio Grande do Sul. O touro acaba levando a melhor – e Pedro aproveita a pele da onça morta para fazer roupas para si. Depois, cria os filhotinhos abandonados da onça. Depois que crescem, os “tigres” criados em cercado acabam sacrificados. Um deles fornece a pele prometida para a amada Maria Helena – que, assim como a família do rapaz, não sai dos pensamentos de Pedro.
Ali, na montanha, isolado do mundo, Pedro provém sua vida da melhor maneira, por tentativa e erro: aumenta seu abrigo, construindo uma casinha e um forno com tijolos fabricados por ele mesmo; cria animais – incluindo o gado que ficou preso com ele na montanha, que lhe fornece leite, com o qual consegue fazer até queijo; faz utensílios de cozinha com barro e madeira; conta o tempo através de marcações em pedaços de madeira; cozinha pães e até bolos com o milho que cresce em sua “propriedade”; faz orações para uma Nossa Senhora de madeira que ele mesmo esculpe em madeira – e, como bom imigrante italiano religioso, agradece a essa imagem pela maioria de seus sucessos. Vive, desse modo, como um Robinson Crusoé gaúcho, tendo apenas o trabalho e a paisagem idílica como forma de se entreter.
E, mesmo no início do século XX, de uma forma geral, não havia mesmo muita opção para uma pessoa se entreter no Rio Grande do Sul rural, já que os primeiros aparelhos de som – toca-discos, gramofones e aparelhos de rádio – não haviam sido popularizados, que dizer da existência, na época, de televisão e computadores, crianças.
Até que, um dia, Pedro começa a ter sonhos frequentes com um estancieiro gaúcho, que revela ao rapaz a existência de um tesouro escondido ali próximo. O sonho o incomoda bastante, até que ele decide ir ao local indicado pelo sonho. E acaba encontrando, perto da fonte de água, uma fortuna em ouro, provavelmente escondida durante uma das guerras ocorridas no Rio Grande. Tudo o que restará a Pedro, agora, é arranjar um jeito de descer o monte, abandonar seu pequeno paraíso e os animais que fizeram-lhe companhia todo esse tempo. É penoso, mas o momento lhes é favorável.
Conseguirá Pedro sair da montanha? Conseguirá ele rever sua família? E Maria Helena, terá ela se casado ou ainda estará esperando pelo amado?
A narrativa de Fidélis Barbosa é meio arrastada no início, como que a preocupação do autor fosse a de não perder muito tempo e ir logo para o clímax. Por isso, a impressão de que os capítulos iniciais da saga de Pedro, bem como a parte passada em Tubarão, passam muito rápido, antes do leitor poder assimilar os acontecimentos. O grosso da narrativa concentra-se na vida de Pedro na montanha, onde os acontecimentos são fortemente detalhados e minuciosamente descritos, com um bom domínio do suspense. Não há de se esperar mais do final que um final feliz, mas não hei de adiantar aqui o que acontece.
O estilo narrativo, com relação ao que temos hoje, parece antiquado, com as descrições preciosistas e o didatismo – Fidélis Barbosa/Pedro Uliana se preocupou, inclusive, a explicar pequenos detalhes da história, como os costumes dos “bugres”, a origem do nome da cidade de Tubarão e as técnicas artesanais de fabricação de queijo e de fermento para pão. Devemos lembrar que o livro foi escrito nos anos 1960, e as regras de literatura da época eram diferentes das de hoje. Mas O PRISIONEIRO DA MONTANHA vale um estudo. Vale uma lida. Vale como um primeiro contato com os “clássicos”.
E vale ainda uma adaptação para o cinema, ou para a televisão. A narrativa, apesar de previsível, é sob medida para a mídia visual. E uma boa propaganda para a promoção da região dos Aparados da Serra.
E, como Fidélis Barbosa também era professor, o livro ainda inclui um roteiro de trabalho – perguntas para os alunos do Ensino Fundamental a respeito do livro, ao melhor estilo dos suplementos de trabalho dos livros das editoras Ática e Moderna – e um glossário, de termos regionalistas do sul brasileiro, visando ao público de outras regiões do Brasil, se é que o livro também chegou a alcançar outras regiões do país. Na contracapa, ainda tem fotos da região dos Aparados.
É mais fácil procurar O PRISIONEIRO DA MONTANHA em sebos e bibliotecas. Na Biblioteca Pública Theobaldo Paim Borges, por exemplo, há exemplares deste livro.
Não venha com a desculpa de que a poeira de livros velhos te dá alergia, criança: leia mais livros de papel.

Esta resenha é uma versão, com alterações, da resenha publicada no blog Estúdio Rafelipe (https://estudiorafelipe.blogspot.com.br/), meu blog pessoal.
Em breve, um novo livro. Enquanto isso, visitem a Biblioteca!

Até mais!