Olá.
Aqui
é o Rafael novamente.
Hoje,
em nova colaboração para o blog da Biblioteca Pública, vamos variar um pouco:
vamos falar de uma obra mais consagrada. Uma biografia.
O
livro de hoje foi responsável por uma das maiores “novelas” da cultura
brasileira – e trata de uma das pessoas mais contraditórias, praticamente o
símbolo de um país tão contraditório.
Hoje,
então, vamos falar de CHATÔ – O REI DO BRASIL.
O AUTOR
CHATÔ
– O REI DO BRASIL consolidou a carreira literária de um dos mais conceituados
biógrafos do país, Fernando Morais, e um dos maiores best-sellers da área de
História. Mas também é um dos mais polêmicos de nossos dias – há críticos que
acham que ele é condescendente demais com gente “que deveria estar na prisão”,
pelo menos foi isso que um artigo da revista Veja disse. Já explico.
Fernando
Gomes de Morais, ou simplesmente Fernando Morais, o homem em questão, é mineiro
de Mariana (sim, a cidade que em novembro de 2015 foi vitimada pelo rompimento
de uma barragem de rejeitos de minério), onde nasceu em 1946. Residente em São
Paulo, SP, desde os 18 anos, é jornalista, tendo trabalhado em vários veículos
de comunicação importantes, como a revista Veja,
os jornais Jornal da Tarde e Folha de São Paulo, a TV Cultura e o
Portal IG. Sua atividade jornalística, contudo, começou aos 15 anos, em um
periódico de um banco de Belo Horizonte, MG, inicialmente como office-boy,
depois cobrindo a ausência de um jornalista durante uma entrevista coletiva. Em
seu ofício, ganhou três vezes o Prêmio Esso e quatro vezes o Prêmio Abril.
Também já atuou como Deputado Estadual, durante 8 anos, e foi Secretário da
Cultura (1988 – 1991) e de Educação (1991 – 1993) do Estado de São Paulo.
Ele deixou
o jornalismo nos anos 1990 para se dedicar à literatura. E se notabilizou por
seus livros de reportagem e biografias, sempre com grande apuro na pesquisa e
no texto.
Seu
primeiro livro, e primeiro grande sucesso de vendas, foi o livro-reportagem A Ilha, de 1976, sobre a vida na Cuba de
Fidel Castro – e, por isso, o livro virou um ícone para os setores da esquerda
durante o Regime Militar. A obra foi relançada em 2001, revista e ampliada.
Anos
depois, veio o segundo grande sucesso, Olga,
de 1985, biografia da militante comunista Olga Benário Prestes.
E,
em 1994, viria Chatô – O Rei do Brasil, biografia
do magnata da imprensa Assis Chateaubriand, que consolidaria sua fama de
biógrafo.
No
ano 2000, outro grande sucesso: Corações
Sujos – A História da Shindo Reimei recupera um episódio obscuro da época
da Segunda Guerra Mundial no Brasil – a atuação de um grupo de extermínio
formado por imigrantes japoneses que se recusavam a aceitar a derrota do Japão
na Guerra.
Depois,
veio a compilação de reportagens Cem
Quilos de Ouro, de 2003, ano em que tenta uma vaga para a Academia
Brasileira de Letras, mas acaba perdendo-a para Marco Maciel.
Em
2005, veio sua maior polêmica em vida: Na
Toca dos Leões, a história da agência de propaganda W/Brasil, acaba apreendido,
devido a um processo criminal movido pelo deputado Ronaldo Caiado, devido a um
trecho polêmico onde é citado. O processo se estende por anos, com uma vitória
parcial de Morais, mas, depois, Caiado vence, obrigando o autor a pagar uma
indenização de mais de 1 milhão de reais.
Outros
livros do autor foram: Montenegro – as
Aventuras do Marechal que fez uma Revolução nos Céus do Brasil (2006,
biografia de Casimiro Montenegro Filho, pioneiro da aviação brasileira), O Mago (2008, biografia do escritor
Paulo Coelho, e, portanto, best-seller) e
Os Últimos Soldados da Guerra Fria (2011).
Ele
causou polêmica ao anunciar, ainda na década de 2000, dois projetos: uma
biografia do deputado Antônio Carlos Magalhães, o “último coronel”, e a de José
“mensalão” Dirceu. Houve gente que condenou esses projetos – algo semelhante ao
que houve com o escritor Fernando Sabino, quando aceitou redigir as memórias da
ex-ministra da economia Zélia Cardoso de Mello (essa é outra história – fica
para outro dia).
Ah:
três de seus livros mais famosos já foram adaptados para o cinema. E as
histórias dessas adaptações constituem aventuras à parte.
Olga foi adaptado em 2004,
pelo diretor Jayme Monjardim, com distribuição da Globo Filmes. Sucesso de
bilheteria, apesar das inconsistências entre a história apresentada no filme e
a realidade. O curioso é que Olga quase
foi adaptado por um estúdio norte-americano.
Corações Sujos também
foi adaptado para o cinema. O primeiro projeto é de 2005, a ser dirigido por
Cacá Diegues, mas não foi concretizado; o filme seria dirigido por Vicente
Amorim, em 2011.
Mas
foi Chatô que constituiu a maior
novela da cultura nacional. Os direitos foram comprados pelo ator global
Guilherme Fontes, em 1995, e o filme foi financiado através de recursos
públicos – foram duas captações, e filmagens realizadas em 1999, 2002 e 2004.
Mas foram cerca de 20 anos, sem que o filme ficasse pronto. Guilherme Fontes,
por conta da demora, foi processado por sonegação fiscal, e condenado a
devolver R$ 36,5 milhões ao Estado. Mas tudo está bem agora: Chatô, com direção de Guilherme Fontes, chegou aos cinemas em dezembro de 2015!
Pelo menos, essa parte da novela teve um fim. Na época do lançamento, ao menos,
as críticas são razoáveis.
O HOMENAGEADO
Bem.
Mas hoje falaremos mesmo de CHATÔ, o livro. Como disse, lançado em 1994, pela
editora Companhia das Letras.
O
“tijolo” de 736 páginas – texto de orelha de Ricardo Setti – reconstitui a
trajetória de vida de Assis Chateaubriand (1892 – 1968), o maior magnata
brasileiro das comunicações no século XX.
Um
personagem, por si só, cheio de contradições. Mesmo com uma carreira que o
classificaria como um gângster, cheia de momentos que no Brasil de hoje seriam
reprováveis, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, natural de
Umbuzeiro, estado da Paraíba, deixou um legado cultural inestimável.
Para
entender, inicialmente, quem foi Assis Chateaubriand, faço minhas as palavras
do próprio Fernando Morais, extraídas de um artigo escrito para a revista Exame, da Editora Abril, edição 703, ano
33, no. 25, de 15 de dezembro de 1999:
“Como o público reagiria
se o jornalista Roberto Marinho interrompesse um capítulo da novela (...) para
comunicar que havia contratado um pistoleiro para castrar a tiros um banqueiro
que executara uma dívida da Globo? E se Sílvio Santos anunciasse que havia
vendido metade do SBT para comprar e instalar no Brasil o acervo do Museu de
Arte de Nova York? OU, ainda, se o jornalista Otávio Frias Filho doasse o
controle acionário do grupo Folha a 22 funcionários da redação do jornal?
Para os brasileiros de
menos de 60 anos, notícias como essas soariam absurdas até mesmo na boca do
comediante Bussunda. Mas foi exatamente isso que ocorreu no Brasil entre os
anos 30 e 60. O autor de tamanhas extravagâncias foi o paraibano Francisco de
Assis Chateaubriand Bandeira de Melo. No auge de seu poder, era dono de um
império que, em número de estações de TV e de rádio, revistas e jornais, jamais
teve paralelo na história das comunicações – nem mesmo o norte-americano
William Randolph Hearst, inspirador do Cidadão Kane, de Orson Welles, chegou perto dele.
Gênio, louco, gângster,
mecenas, visionário, chantagista, mulherengo priápico – os adjetivos para
descrever a personalidade de Assis Chateaubriand são infinitos. Passados [mais de] 30 anos da sua
morte, no entanto, parece justo que ele seja incluído entre os grandes
empreendedores do século 20. Afinal, apesar de todas as suas excentricidades,
Chatô deixou para a sociedade o Masp, o maior museu do Hemisfério Sul, que
abriga um acervo avaliado em 2 bilhões de dólares. E a ‘Cadeia Associada’, que
ele criou em 1924, ainda hoje o sexto maior grupo de comunicação do Brasil
(...). Doido rasga dinheiro, mas não constrói impérios e museus.”
Bem.
Com essa introdução, já pudemos localizar o personagem, o Cidadão Kane
brasileiro, se é que realmente podemos chamar assim, apesar da advertência
feita pelo próprio Morais – a de que W. R. Hearst nem se compara a ele.
Apesar
do gangsterismo de sua carreira – com fama de “fazedor de reis”, destruidor de
reputações, mau pagador – o paraibano/pernambucano tem lá sua importância:
afinal, foi ele quem iniciou uma nova era no jornalismo brasileiro, ao criar, a
partir da compra do jornal Diário da
Noite, do Rio de Janeiro, em 1925, uma cadeia de jornais, que publicam e
distribuem material umas das outras – se não estou enganado, foi Chatô que
tomou a iniciativa da syndication que
já era comum, por exemplo, nos Estados Unidos da virada do século XIX a XX;
iniciou ainda uma nova era da propaganda brasileira, ao transformar as
publicações de sua cadeia de jornais em verdadeiros palanques de anúncios – e,
se necessário, comprando empresas de diversas áreas, da farmacêutica (como os
laboratórios Schering e Licor de Cacau Xavier) à de chocolates (como a Lacta),
só para publicar anúncios delas nas suas publicações; fundou a primeira grande
revista moderna, a Cruzeiro, em 1928,
líder de vendas antes da criação da Veja;
estendeu sua “cadeia associada” para o Rádio, fundando em ampliando várias
emissoras; foi o pioneiro da TV no Brasil, com a TV Tupi, criada em 1950 (e,
não fosse por questões técnicas da tecnologia da época, Chateaubriand poderia
ter adiantado em quase duas décadas a introdução da TV a cores no Brasil) – da
Cadeia Associada de TV, sairia a TV Cultura, hoje estatal; criou o Museu de
Arte de São Paulo (Masp), também em 1950.
Embora
tenha sido um dos brasileiros mais ricos de seu tempo, saído de uma infância
modesta de classe média, inicialmente em Umbuzeiro, e depois em Recife, Pernambuco,
Chateaubriand muito raramente pagou pelas grandes obras que idealizava com o
próprio dinheiro: ele conseguia convencer grandes empresários, burgueses e até
mesmo o Governo a financiar suas aventuras empresariais, sob garantias – mesmo
que depois acabasse devendo até um braço e uma perna. Até mesmo boa parte dos
quadros do Masp, adquiridos na Europa pós-guerra, foram pagos por
“patrocinadores”, incluindo o “sócio” Pietro Maria Bardi, quase nunca por ele
mesmo.
Mas Chatô
sabia, como ninguém, mexer os pauzinhos, encontrar brechas na legislação e
ainda fazer com que novas leis fossem criadas em seu benefício. Uma de suas
primeiras grandes malandragens foi ter conseguido ser, ainda quando era um
modesto repórter no jornal Estado de
Pernambuco, o primeiro pernambucano (sic) a voar de avião, conseguindo
convencer um piloto, que estava de passagem por Recife, a substituir um outro
repórter escalado para cobrir um voo pelo então magricela Chateaubriand. Aliás,
a aviação seria um outro tentáculo de seus negócios.
Na
infância, Chatô lutou contra uma gagueira severa, que atrasou em muito sua
educação escolar, mas, antes de entrar para a adolescência, já sabia ler e
falar alemão com fluência. Sua carreira de jornalista iniciou ainda nos anos
1910 – em 1913 ele já era redator-chefe do já citado Estado de Pernambuco – já atacando pessoas importantes. Desde a
adolescência, conseguiu fazer muitos inimigos, inclusive no Governo. Foi preso
algumas vezes, antes de construir seu império – a primeira, por ter se
envolvido em uma revoltante questão política: o candidato que apoiava venceu
legalmente as eleições municipais, mas foi o adversário, que era atacado, quem
assumiu o cargo, e ainda mandou empastelar o jornal e prender os jornalistas.
Conseguiu transformar questões pessoais em questões políticas – sua primeira
grande vitória foi ter conseguido, após mobilizar até o Governo Federal, vencer
um importante adversário para obter um cargo público, que nunca exerceria,
entretanto. O caso, do plano pessoal, se transformou em um caso político, e
Chateaubriand foi um símbolo da luta contra a ordem política coronelista do
Nordeste – principalmente de Pernambuco, onde se matava por qualquer motivo.
Instalado
no Rio de Janeiro, onde estava mais perto do poder, e, consequentemente, do
dinheiro, Chateaubriand, ex-gago, fez o que quis. Apoiou presidentes,
governadores, deputados e empresários num momento, no outro passou à oposição –
Getúlio Vargas seria seu maior caso de amor e ódio, oscilando entre o apoio e a
oposição. E, realmente, mandou castrar a tiros um desafeto – no caso, o
empresário alemão Oscar Flues, de quem Chatô fizera uma vultosa compra de
máquinas para os seus jornais. O atentado foi executado pelo fiel
guarda-costas, o perigoso Amâncio. Ao invés de pagar a quem devia, como uma
pessoa civilizada, Chatô chegava ao extremo, mesmo, de atacar os credores em
seus jornais, transformando-os em vilões diante da opinião pública – a pior
ofensa a seus desafetos era, na época, chama-los de “filho da piiih”.
E
não foi a única vez em que se envolveu em uma tentativa de homicídio: Chatô, em
outra oportunidade, quase matou um amigo, com um tiro na boca, tentando se
defender de um desafeto. O empresário jura que foi sem querer que ele destruiu
os dentes daquele que era considerado “o brasileiro com o sorriso mais bonito”
daquele tempo.
Em
tempo: o episódio em que ele interrompeu a transmissão de uma novela para dar
um aviso ao público não tem a ver com o atentado contra Flues, mas para
criticar outro desafeto.
Seus
venenosos artigos (assinados, quando não com o próprio nome, sob os pseudônimos
de “Macaco Elétrico” e “A. Raposo Tavares” – este último, aliás, também é o
nome de seu avião particular favorito), em grande parte da vida, eram escritos
sempre à mão. Quando uma trombose praticamente tirou seus movimentos, em 1960,
Chateaubriand teve de treinar novos meios para continuar escrevendo enquanto
lutava pela vida: inicialmente, ditando textos aos enfermeiros de plantão,
depois dando um jeito de operar uma máquina de escrever elétrica e adaptada.
Aliás,
é nesse ponto que o livro inicia. Na verdade, o livro inicia do modo como
Chateaubriand, em nota introdutória, escolheu como queria que uma possível
biografia sua começasse: com um delírio em que Chateaubriand e a filha
“favorita”, Teresa, apareciam travestidos como índios canibais, devorando um
bispo português. Só aí começa com a dramática cena da trombose, onde ele é
declarado praticamente morto. Quando tudo já estava preparado para seu velório,
é que se inicia a sua luta pela vida, que termina dramaticamente em 1968,
amparada principalmente por sua enfermeira favorita, Emília Belchior Araúna,
principal encarregada de traduzir os grunhidos de suas falas. E esta não foi a
única vez que Chatô foi declarado morto...
O
tal delírio também revela uma de suas maiores obsessões em vida: os indígenas
brasileiros. Chatô, que se dizia descendente dos índios que devoraram o bispo
Sardinha, sempre se preocupou em divulgar a cultura indígena, em uma espécie de
retorno ao indigenismo literário do século XIX – seja mandando repórteres dos
Diários Associados para a selva, seja trazendo indígenas para eventos oficiais,
seja passando uma semana, em companhia de autoridades, hospedado em uma aldeia
indígena – e chegando ao cúmulo de se deixar fotografar totalmente nu na
aldeia, e ainda exigir que as fotos fossem publicadas em O Cruzeiro, sem censura! Ou melhor, teve uma censura, até meio
tímida.
Nos
37 capítulos do livro, ricamente ilustrado com fotografias, Morais reconstitui
toda a vida de Chateaubriand, inclusive as aventuras vividas nos anos 1930. Mas
grande parte do livro se concentra nas disputas que ele teve com adversários
políticos e empresariais – com os presidentes, Epitácio Pessoa, Arthur Bernardes,
Washington Luís, Getúlio Vargas (em todos os seus governos), Eurico Gaspar
Dutra, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart, Castelo Branco, Costa
e Silva; com empresários, como o já citado Oscar Flues, a família Matarazzo, o
americano Percival Farquhar (de quem tiraria o mordomo, Henri Gallon), Roberto
Simonsen; e até rivais, como Roberto Marinho, Carlos Lacerda e o ex-empregado
Samuel Wainer, que passaria à oposição com seu jornal Última Hora.
Mas Morais
também não esquece dos conflitos que viveu com sua própria família. Mulherengo,
teve vários casos extraconjugais. Foi noivo diversas vezes, mas só consumou um
casamento, com Maria Henriqueta Barrozo do Amaral, de onde nasceu o primogênito
Fernando – que, aliás, em boa parte da vida, não tinha boas relações com o pai.
Teve
casos que hoje chamaríamos de uniões estáveis – levou a amante para morar com
ele. Do mais rumoroso desses casos, com a argentina Cora Acuña – na época em
que se conheceram, era apenas uma adolescente, que ele levou para morar com ele
junto com a família – nasceu a filha Teresa. Quando Cora se separou de Chatô
para ficar com o amante, Clito Bockel, o empresário não se fez de rogado para
fazer a caveira da argentina e de Bockel na imprensa, e ainda conseguir fazer
aprovar uma lei em seu benefício, que lhe permitia ficar com a guarda de
Teresa, sua “garota-propaganda”, mas que, na adolescência, acabaria rompendo
relações com o pai. Aliás, foi o irmão de Clito Bockel o pivô do atentado em
que Chatô quase matou o amigo com um tiro na boca.
Mas
o caso mais dramático foi o do filho Gilberto, o Gigil, que só descobriu que
Chateaubriand (que ele acreditava ser apenas um padrinho) era seu pai na idade
adulta, e que sua irmã era sua mãe. Um típico caso de telenovela. Chatô, inclusive,
só reconheceu o filho sob pressão – e depois o renegou. E olha que tanto
Gilberto como Fernando foram trabalhar nas empresas do pai.
Mais:
com algumas mulheres, o cara jura que não mais que “furunfava”... mesmo depois
de paralisado pela trombose!! Mas o grande amor de sua vida esteve sempre longe
de seu desejo: a mecenas Iolanda Penteado. A propósito: Chatô fez uma aparição
no seriado global Um Só Coração, que
conta a história de Iolanda Penteado e de São Paulo no início do século XX.
Morais
também reconstitui, detalhadamente, as maiores aventuras físicas de Chatô, como
a enfrentada por ele para participar da Revolução de 1930 – o avião, saído do
Rio de Janeiro, tem um pouso forçado, devido ao mau tempo, em Santa Catarina,
obrigando Chatô a fazer trajetos a automóvel e a cavalo pelos Campos de Cima da
Serra de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, para conseguir chegar a Porto
Alegre, onde aderiria ao exército de Getúlio Vargas. E, no meio da viagem, ele
ainda quase acaba morto! Mas, depois, à época da Revolução Constitucionalista
de São Paulo (1932), Chatô quase foi deportado para o Japão, à força. Escapou
por um triz, mas acabou preso. E, desde essas aventuras, Chatô nunca mais foi
preso, apesar de pesadas acusações caírem sobre sua cabeça.
Outras
aventuras de Chatô foram na política: ele foi deputado federal por duas
legislaturas – uma por Pernambuco e outra pelo Maranhão – e em ambas as vezes,
precisou mexer os pauzinhos e encontrar brechas na legislação para assegurar a
vaga. Também foi embaixador do Brasil na Inglaterra, sob indicação do
presidente Juscelino, a quem Chatô deveu-lhes a vida (ele disse que só não
morreu em um grave acidente de avião graças a Juscelino). Apesar disso, Chatô
teve de pressionar Juscelino para fazer cumprir essa promessa, e, quando
conseguiu, fez de tudo, menos trabalhar a sério, tanto como deputado quanto
como embaixador. Ainda assim, foram notórios episódios passados em Londres,
como quando condecorou o estadista Winston Churchill com uma suposta “Ordem do
Jagunço”. Aliás, a compra de uma pintura de Churchill para integrar o acervo do
Masp foi outra das pitorescas aventuras de Chatô.
Nos
Diários Associados, Chatô foi o principal responsável pela fama, tanto inicial
como total, de muitos luminares da imprensa nacional da primeira metade do
século XX, como o jornalista David Nasser (que, posteriormente, teria por maior
parceiro o fotógrafo francês Jean Manzon), os ilustradores Alceu Penna,
Péricles Maranhão (o criador do Amigo da
Onça) e Ziraldo Alves Pinto, e os humoristas Aparício Torelly, o Barão de
Itararé, e Millôr Fernandes. Aliás, pense em uma personalidade brasileira da
primeira metade do século XX, em qualquer área de atuação – política, arte,
empresariado ou mesmo crime: é bem provável que ela tenha sido citada, ainda
que só uma vez, em CHATÔ – O REI DO BRASIL. Tendo ou não cruzado o caminho de
Chateaubriand, para o bem ou para o mal.
Algo
que Morais cita, meio por alto, é que Chatô também deu sua contribuição para a
indústria brasileira de histórias em quadrinhos! Começou em 1940, com o
gibi-coletânea O Guri. Foi os Diários
Associados, sob o selo O Cruzeiro, que trouxeram a Luluzinha e o Bolinha de
Marge Buell ao Brasil pela primeira vez, de 1955 a 1972. E foi ainda pela editora
O Cruzeiro que Ziraldo publicou os primeiros gibis de seu personagem Pererê, em 1960. Mas Morais mal cita
essas contribuições, entendendo que as HQ eram uma preocupação menor de Chatô –
seus esforços estavam concentrados na imprensa “séria”.
E
Chatô nem sempre acertou em suas aventuras empresariais – sua maior derrapada
foi a edição internacional de O Cruzeiro,
cujo fim precoce foi decretado pela falta de anunciantes. Mesmo quando
instalou a TV Tupi, na época em que sequer havia aparelhos de televisor no
Brasil, ele precisou contrabandear aparelhos de TV do exterior para viabilizar
a primeira transmissão – que, aliás, teve os maiores percalços logo no primeiro
dia, mas, no fim, tudo acabou bem.
O
declínio de seu império se acentuou na época em que a trombose lhe acometeu.
Começou ainda em 1959, com sua citada extravagância de doar 49% de seu império de
comunicações a 22 de seus empregados.
Ah:
a cidade de Vacaria, RS, meu lar, também tem uma espécie de dívida com
Chateaubriand e os Diários Associados: foi por intermédio desses que, em 1951,
um peão vacariense se apresentou nos Estados Unidos. Wenceslau Ferreira Filho,
o vacariense em questão, venceu um rodeio promovido em Porto Alegre, depois de
fazer uma excelente demonstração de doma nos festejos do Centenário de
Municipalização de Vacaria, em 1950. Com a vitória sobre outros 22 candidatos,
“Lalau” foi indicado pelos Diários Associados para representar o Brasil no
Rodeio Anual de Houston, no Texas. Inclusive, ele foi saudado pelos astros de
cinema que interpretavam Roy Rogers e Hopalong Cassidy (Google para quem não
sabe quem estes indivíduos são). De volta ao Brasil, foi um dos promotores do
Rodeio Internacional de Vacaria, evento criado em 1958, patrão de nosso maior
CTG, o Porteira do Rio Grande, em 1960, e vereador.
Voltando
a Chatô, ele também polemizou por suas posições: ele, um admirador contumaz do
capitalismo norte-americano, sempre foi a favor da entrada de empresas
estrangeiras do Brasil, e atacava as políticas de nacionalização;
anticomunista, ele se opôs ferrenhamente a João Goulart e ao movimento da
Legalidade de Leonel Brizola e foi apoiador do Golpe de 1964 – mas foi “traído”
pelo governo militar posteriormente. Mas algumas de suas posições eram tão
ambíguas que era difícil saber de que lado, exatamente, ele estava, sabendo
bajular tanto quanto atacar. Aliás, ele escreveu e publicou seus artigos até
quanto conseguiu, mas praticamente até os últimos dias de sua vida. E morreu
sem arrependimentos – ao menos explícitos. Sem murmurar “rosebud” ou algo do
tipo.
Então:
CHATÔ – O REI DO BRASIL, mais do que contar a história de um cidadão que atuou
na política, nos negócios e nas artes como um sujeito acima do bem e do mal,
uma das pessoas mais temidas de sua época, reconstitui a trajetória do Brasil entre
os anos 1910 e 1960. Uma época de tantas contradições morais quanto o Brasil de
hoje, com a diferença de que, naquela época, não havia internet nem redes
sociais para transformar gente em heróis ou vilões, conforme as conveniências.
Um verdadeiro “tijolo”, mas em um texto fluido, detalhado, acessível a vários
tipos de leitores. Morais também sabe brincar com o suspense: é difícil, em
alguns trechos, não torcer por esse simpático patife que foi Chatô – torcer,
claro, para que ele se dê bem em alguma de suas encrencas, como a citada
disputa pelo cargo público e a aventura para chegar ao Rio Grande do Sul em
1930. Um livro de interesse geral.
Verdadeiras
lições de como não gerir uma empresa
– ao menos no Brasil de hoje, onde qualquer cocô fora do penico já é motivo
para condenações por parte do povo.
Todos
os livros resenhados nesta seção estão disponíveis na Biblioteca Pública
Theobaldo Paim Borges.
Em
breve, uma nova resenha.
Até
mais!