Olá.
Aqui
é o Rafael novamente, em nova colaboração para o blog da Biblioteca Pública.
Faz tempo que não passo aos leitores outra resenha de livros, então, vamos dar
uma movimentada neste blog.
Vamos
falar, hoje, de livro. De romance. De romance de fundo histórico ambientado no
Rio Grande do Sul. Vamos trazer de novo aos holofotes o escritor Luiz Antonio
de Assis Brasil, um especialista no gênero.
Vamos
hoje falar de CONCERTO CAMPESTRE.
O LIVRO
CONCERTO
CAMPESTRE, hoje o livro mais lembrado de Assis Brasil – muito por conta da
adaptação do mesmo para cinema – foi publicado pela primeira vez em 1997, pela
editora L&PM, atual editora das obras do escritor. A capa acima é da
primeira edição, com ilustração do cartunista Caulos – e com essa ilustração
permanece nas edições posteriores.
O
romance, ao contrário dos dois outros que resenhei aqui no blog – Cães da Província e Videiras de Cristal – não se serve de fatos reais para a construção
ficcional, ou melhor, só um pouco. CONCERTO CAMPESTRE se utiliza de um contexto
histórico conhecido pela historiografia e de uma história lendária para a
condução do enredo, além de carregar um pouco da experiência de vida do autor –
o motor do enredo é a música clássica, e Luiz Antonio de Assis Brasil já havia
sido músico, tendo tocado na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) como
violoncelista, nos anos 1970, antes de abraçar a literatura.
Outro
motor do enredo ele relata em uma nota no posfácio da obra:
“A história da moça
abandonada no boqueirão me foi contada por uma amiga, a escritora Hilda Simões
Lopes, e aconteceu no século passado [século XIX], nos campos de sua família.
É, portanto, uma ‘história real’, o que lhe dá certa nota picante; mas aqui,
como em todas as realidades, a
fantasia ocupa o lugar do trivial e do desconhecido – e isso é apenas uma
homenagem à Literatura. (L.A. de A.B.)” (in: Concerto Campestre – L&PM, 1997, p. 175).
CONCERTO
CAMPESTRE ganhou ainda mais notoriedade após a adaptação para cinema, dirigida
por Henrique de Freitas Lima em 2004. Deste falamos depois.
A
narrativa de CONCERTO CAMPESTRE é conduzida fazendo uso do insólito, do
inesperado, do suspense e do bucolismo (forma de poesia que valoriza a vida
pastoril), conduzido suavemente como uma valsa ecoando na solidão do pampa, num
enredo que envolve preconceitos, paixões, violência e termina num final
surpreendente. Além disso, é um livro que se lê em uma só sentada: a primeira
edição tem 176 páginas, sem contar capa, e só sete capítulos. Só o que pode assustar
o leitor são os parágrafos contínuos, intermináveis, e quase sem travessões para
indicar os diálogos. Fora isso, o livro de narrativa não-linear, com idas e
vindas constantes de um ponto do tempo a outro, ritmo de uma ópera e revelações
surpreendentes ao fim de cada capítulo, é agradável.
O ENREDO DA ÓPERA
A
história de CONCERTO CAMPESTRE se passa na segunda metade do século XIX, no
interior do Rio Grande do Sul, na vila de São Vicente, à beira do Rio Santa
Maria. Ali, está a estância charqueadora (fazenda de criação de gado e produção
de carne-seca para comércio) pertencente ao conservador e autoritário Major
Antônio Eleutério Fontes, homem de passado rude que atuara na Guerra dos
Farrapos. Ali, ele vive com a família, composta pela esposa, a ainda mais
conservadora D. Brígida, três filhos homens, dois netos e uma filha temporã,
Clara Vitória.
Apesar
do conservadorismo e dos códigos morais hoje tacanhos, que ele procura
preservar a todo custo, o Major Eleutério cultiva uma excentricidade, que
podemos tomar como um sinal de modernidade, naquele local ermo e praticamente
longe de outros sinais de civilização: uma orquestra particular, a Lira Santa
Cecília.
Começou
quando o Major encontrou dois índios missioneiros e andarilhos tocando seus
instrumentos, e, após uma desconfiança inicial, praticamente gostou do que viu
e ouviu, contratando os dois índios para trabalhar na estância, e, claro, tocar
de vez em quando para ele. Naquela época, música, de acordo com a moral dos
estancieiros, era coisa malvista, coisa de gente de má vida – bêbados e
prostitutas – e aceitável apenas dentro das igrejas, por isso D. Brígida,
principalmente, símbolo da mentalidade arcaica que se contrapõe ao sinal de
modernidade do Major, desaprova a atitude inicial do marido, e o que vem
depois...
A
notícia de que o Major estava admitindo músicos em sua estância se espalha, e
logo outros músicos procuram trabalho na estância. A coisa, no entanto, foge um
pouco do controle, pois a maioria desses músicos era de andarilhos e vagabundos
– e os índios foram embora, ou pela natureza nômade ou por causa do preconceito
dos outros músicos – e então, por sugestão do Vigário da Paróquia de São
Vicente – um padre dividido entre o conservadorismo e a modernidade, já que,
apesar de se opor às relações amorosas “modernas”, costuma consultar um
termômetro para avaliar o tempo – o Major resolve organizar os músicos em uma
orquestra.
Para
colocar ordem nos músicos da fazenda, o Vigário recomenda ao Major o musico
conhecido apenas como Maestro. O mulato, nascido em Minas Gerais, teve uma vida
de verdadeiras aventuras, entre empregos como músico em igrejas e no exército,
e convivendo com gente “de má fama”, sempre acompanhado de seu bandolim, que
ele dedilha nas horas de folga. O Maestro, pago para se dedicar exclusivamente
à orquestra, e que ganhou inclusive seu próprio quarto, coloca ordem na casa:
organiza os músicos em uma orquestra respeitável, com instrumentos de cordas e
metais (que o próprio Major importa), inclusive trazendo músicos de Porto
Alegre. Entre eles, o rabequista veterano conhecido como Rossini, por conta de
seu gosto por ópera, talentoso e erudito, e que se torna o grande amigo e
confidente do Maestro.
Mas
o Maestro não é necessariamente um modelo de bom comportamento: apesar das
recomendações do vigário e do Major, em uma noite, o mulato seduz uma
cozinheira da estância. O Maestro, após ser denunciado, leva uma reprimenda do
Major, que, por via das dúvidas, despede a cozinheira.
A
Lira Santa Cecília logo se organiza, tocando melodias suaves e agradáveis em
festas, velórios ou apenas para o deleite do Major, chamando a atenção
inclusive dos amigos dele. Um deles faz questão que a Lira toque em seu
velório, como um último desejo. Entre um ensaio e outro, o Maestro acaba
chamando a atenção da adolescente Clara Vitória, então na flor da virgindade e
da pureza, e em idade de casar – tanto que, por imposição da mãe, passa boa
parte do tempo confeccionando seu enxoval, embora seu real desejo seja o de
aprender a ler e escrever.
A
moça se apaixona pelo Maestro, mas inicialmente o músico a rechaça; mas, pouco
a pouco, o Maestro começa a corresponder à afeição da garota. E ambos começam a
viver uma relação amorosa proibida e secreta. O Maestro chega a dedicar a Clara
Vitória uma composição. E a garota, entre um encontro furtivo e outro no quarto
do Maestro, acaba engravidando do mulato.
A
gravidez ficou escondida o quanto foi possível. Enquanto isso, D. Brígida, que
acha a organização da orquestra uma perda de tempo e preocupada com a posição
social da família, tenta arranjar o casamento de Clara Vitória com Silvestre
Pimentel, sobrinho e herdeiro do Barão de Três Rios, dono de uma estância
vizinha. Vive arranjando encontros entre os dois, sem desconfiar que a filha
ama outro, claro. Enquanto isso, Silvestre Pimentel vai adiando a data do
casamento – nesse meio tempo, seu tio falece.
Mas
não demora para que D. Brígida descubra a gravidez da filha. O primeiro a saber
do assunto, mediante confissão, foi o Vigário. Felizmente, quando a gravidez de
Clara Vitória vem à tona, a família imagina que o responsável foi Silvestre
Pimentel, já que, em uma ocasião, os dois haviam saído sozinhos ao pomar, mas
sob os olhares de uma criada. Mas, infelizmente, os inocentes acabam pagando o
pato: o Major tenta matar Silvestre Pimentel, mas fracassa. Já quanto a Clara
Vitória, leva bofetadas da mãe e o pai acaba a renegando, condenando-a a viver
em uma casa abandonada dentro do mato. Essa casa era tida como mal-assombrada,
e no local então só entravam alguns escravos para colher cachos de uvas de uma
parreira próxima. O acesso à floresta é cortado e vigiado. Em outro acesso de
loucura, o Major despede a Lira Santa Cecília, e o Maestro, Rossini e os outros
músicos vão para Porto Alegre.
Com
o passar do tempo, todos passam por uma degradação moral. O Major vai perdendo
a razão, e sua estância, agora administrada pelos filhos mais velhos, passa a
ser evitada por todos, inclusive pelo Vigário, depois do que o Major fez a
Clara Vitória; a filha, por sua vez, começa a se acostumar com a solidão do
lugar ermo, cujo contato com o mundo passa a ser através do capataz da fazenda,
que lhe traz comida dia sim dia não, e da parteira – Clara Vitória tem sua
filha ali na tapera, e a menina é levada para ser amamentada por uma ama da
estância; e o Maestro, por sua vez, vai padecendo de saudades de sua amada, e
leva uma vida indisciplinada em seu novo emprego. Está decidido a voltar para a
estância e resgatar Clara Vitória.
Afinal,
depois de algum tempo, ele consegue realizar seu intento: levando a Lira Santa
Cecília, o Maestro retorna, e é recebido com alegria pelo Major, que solicita
uma apresentação. Porém, como nenhum dos amigos do Major quer comparecer ao
concerto, o homem obriga a criadagem a assistir a apresentação. E os
acontecimentos que se seguem são os mais insólitos, envolvendo uma morte e uma
inesperada chuva de sangue, conduzindo ao final de uma ópera... com final
trágico porém allegro.
Luiz
Antonio de Assis Brasil conduz uma ópera sul-riograndense, com influência das
poesias bucólicas do poeta romano Virgílio e traduzindo em palavras os
sentimentos de quem está preso ao campo em todos os sentidos: desde o espaço
geográfico até as convicções morais. Conflito entre modernidade e
conservadorismo, até mesmo na forma de amar. A narrativa, apesar da linguagem
erudita, prende o leitor até o fim, depois que ele se acostuma com a forma do
texto.
CONCERTO
CAMPESTRE pode ser encontrado com facilidade nas bibliotecas e em algumas
livrarias. Disponível também nos formatos pocket e e-book.
Esta
postagem é uma versão revista e com alterações do texto publicado anteriormente
no blog Estúdio Rafelipe (https://estudiorafelipe.blogspot.com.br/).
Aproveitem e conheçam.
Não
deixem de visitar a Biblioteca Municipal Theobaldo Paim Borges! Leiam o livro,
e depois assistam ao filme!
Falando
nisso, na próxima postagem: CONCERTO CAMPESTRE, o filme.
Até
mais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário...